terça-feira, 17 de novembro de 2009

"CAUSOS" NA VIDA DE UM JUIZ - I


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Quando assumi minhas funções em Iraí, em 1982, o clima na cidade estava conturbado. O prefeito anterior renunciara e o substituía o Presidente da Câmara de Vereadores, um forasteiro, de partido diverso, dotado daquele dúbio dom especial, hoje comum na maioria dos homens públicos: atrair a simpatia dos correligionários e o ódio da oposição com o mesmo grau de sentimento inversamente apaixonado.

Era, além disto, tempo de Ditadura Militar, embora nos seus estertores. Mas muito temor ainda se camuflava nos recônditos dos lares e nas atitudes propositalmente contidas dos cidadãos honestos e sofridos desta pátria.

Convidaram-me para discursar no dia 7 de Setembro. Mas, como era comum naquele tempo, o tema (no caso, temas) veio previamente fixado pelo Cerimonial da Prefeitura: “Liberdade, Independência, Ordem e Progresso”. Isto para limitar o conteúdo da fala e não ensejar margem a pregação ideológica contrária ao regime.

No começo não gostei muito da idéia e pensei em declinar, penhoradamente, de tão honrosa missão. Depois, olhando enviesado, acabei achando bom. Aliás, não podia ser melhor. Erguia-se ali uma ótima oportunidade para eu dar o meu recado.

Fiz a minha oração para centenas de alunos perfilados naquela manhã ensolarada. Em termos não agressivos, mas suficientemente claros, construí uma linha de pensamento que projetava a conclusão de que no Brasil da época não havia nem liberdade nem independência nem ordem nem progresso. Detive-me em cada um dos temas e, obviamente, explicitei razões objetivas. Procurei não me estender muito porque discursos e reuniões são coisas que até admito existir, desde que eu não seja participante. Mas às vezes não há como escapar.

Notei alguns sorrisos amarelos das demais autoridades e recebi uns cumprimento frouxos, depois, mas nada que me inquietasse ou surpreendesse.

Ao chegar em casa encontrei a Ieda com ar preocupado. A solenidade fora transmitida pela Rádio Marabá e ela ouvira:

– Acho que vão te prender por causa desse discurso!

Obviamente não me prenderam nem repreenderam e as repercussões foram mínimas. Quem iria se preocupar com o que dizia um juiz de Iraí? Mas, também, nunca mais me convidaram para discursar em qualquer solenidade na Comarca.

Um ano e pouco depois, no jantar de minha despedida, fui impedido de falar. Mas então por um persistente edema de cordas vocais.

Dizem que foi praga!



Publicado no blog Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 19/07/2004.
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Um comentário:

  1. Pitacos transcritos do post original:

    [Sídnei] [sidvt@terra.com.br]
    Pois é! Tou começando a perceber que não devo mais ceder a tentação de clicar naquele "hyperlinkezinho" que colocas em teus e-mais e que conduzem a gente ao teu blog! Consulto agora o relógio e constato que já se passou uma hora desde que fiz isso, ao ler a tua resposta ao meu e-mail "ConSent". Pois é, entrei, li o primeiro texto, fui para o segundo, dei uma olhadinha nos comentários, fiz um, passei para o terceiro texto, e mais um, e me diverti com a polenta.com, e cheguei neste do discurso de Iraí, que gostei tanto que resolvi fazer um comentário, e... lá se foram 65 minutos da minha programação de trabalho noturno. Qual é, cara! Vê se escreve textos um pouco mais SEM graça! Aí não prende tanto a gente! Ah! O comentário! Era só prá te dizer que tens uma virtude muito em falta e assaz admirável: a coragem! Parabéns!

    27/07/2004 00:12

    [Carlos Damião] [carlosdamiao@brturbo.com] [http://carlosdamiao.zip.net]
    Prezado Ilton Parabéns pelo teu blog. Tentei acessar umas três ou quatro vezes, mas não tive sucesso. Belo texto, belas histórias e imagens. Quando conseguir arrumar meu computador (grato pela dica, estou tentando sanar o problema), te mando algumas imagens interessantes daqui, off-blog. Abraço Carlos Damião

    19/07/2004 15:50

    [Giorgia] [giorgia@gmail.com] [coisasbobas.blogspot.com]
    Outra coisa em comum, Ilton! Em oitenta e dois, eu tinha 8 anos, estava no terceiro ano da escola... mas também era contra a ditadura! Parece mentira, mas eu andava pela escola discursando contra os milicos, contra a arena, repetindo o que eu ouvia da minha mãe, do meu padrasto, dos políticos que iam lá em casa...

    19/07/2004 15:13

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