quarta-feira, 11 de novembro de 2009

COTAS NA UNIVERSIDADE

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A IGUALDADE E O SISTEMA DE COTAS NA UNIVERSIDADE


O Iluminismo inspirador da Revolução Francesa formulou os três conceitos primordiais que, em princípio, seriam norteadores da própria solução da crise anterior: a Igualdade, a Liberdade e a Fraternidade.

Sua aplicação prática, entretanto, principalmente quanto aos dois primeiros (o terceiro – Fraternidade – é um preceito mais amplo aplicável em todos os campos da segmentação humana) tem produzido algumas distorções e nem sempre exprime os ideais da própria revolução.

Sempre que se supervaloriza a Igualdade, fere-se a Liberdade, e vice-versa. São dois conceitos, se não antagônicos, pelo menos de difícil convivência.

Por isto emergiram, quanto à Igualdade, conceitos que procuram adaptá-la a um sistema de justiça e respeito à Liberdade. Atribui-se a Ruy Barbosa, no Brasil, a conceituação mais adequada e que parece atender a esses princípios: “a igualdade consiste em tratar desigualmente os desiguais na proporção em que eles se desigualam”.

O acesso às nossas faculdades vem sendo, há muito tempo, filtrado pelo exame vestibular, muito criticado, mas que, na atual conjuntura, é ainda o mais justo. Em outros países, por exemplo, ele não existe, e o ingresso se dá, em grande parte, por critérios puramente econômicos – estes sim elitistas e desiguais.

É, pois, o conhecimento geral a base de sustentação desse sistema, para o qual uns se preparam melhor do que os outros (aqui, somente, pode influir a situação econômica de cada candidato), e que vai definir a aprovação e a reprovação. Aqueles que demonstrarem maior conhecimento nas respostas às questões formuladas serão naturalmente os aprovados.

A criação de cotas para oriundos da escola pública subverte o sistema naquilo que lhe é estrutural: o próprio nível de conhecimento, privilegiando os quem têm menos em detrimento dos que têm mais. Procura-se corrigir, com este modo enviesado e vesgo, as deficiências do estudo de um segundo grau sucateado e derruído, como se isto fosse uma solução. É aqui que se toma a causa como conseqüência. Na verdade, consubstancia-se a criação de mais um problema por quem tem uma visão acomodada e acomodadora das coisas, com o olho pregado mais no eleitor da próxima eleição do que no cidadão da próxima geração.

Pretende-se restringir a liberdade de acesso em nome de uma igualdade mal compreendida. Despreza-se o conhecimento do candidato para superestimar condições pessoais e privilegiar situações econômico-sociais num processo que – como tudo neste país – toma a conseqüência como causa.

Cabe reavivar o sentido da escola pública de primeiro e segundo graus para que todos, de todas as raças, crenças e classes sociais, possam chegar ao vestibular em igualdade de condições com aqueles oriundos da escola particular. Esta a verdadeira igualdade a ser privilegiada. Esta a causa a ser consertada. As conseqüências virão automaticamente, como as coisas da vida devem suceder e sucedem sem a intervenção artificial da mente humana.

Forçar essa situação inconveniente para remendar o mal feito e estabelecido, sem cuidar, antes, de sua causa, é um paliativo fadado ao insucesso e restritivo da Liberdade que, há muito tempo, estamos sentindo nos ser podada gradativamente sem que possamos entender integralmente o processo e, o que é pior, sem poder reagir. Só temos, na verdade, o jus sperniandi.

Sacrifica-se o sistema de liberdade de acesso em prol da igualdade dos desiguais.

Isto remete a outra indagação, igualmente grave: qual o valor a ser preservado? O que coloca o Estado acima do Homem ou o que coloca o Homem acima do Estado? Será que não é possível escapar dessa pertinaz dicotomia entre Socialismo e Capitalismo, entre direita e esquerda, de acordo com a ideologia de quem está no Poder? Quando, de uma vez, a estabilidade e a confiabilidade?

Enfim, com essa medida, o Governo está pagando uma conta e abrindo outra. Está sacando um cheque contra os que têm conhecimento e serão, ainda assim, rejeitados, em favor dos que denomina de socialmente desamparados e que não têm acesso à universidade pública, ainda que essa vedação esteja longe de assentar-se apenas no desamparo social. Quem pagará a dívida que está sendo contraída agora? Os injustiçados de amanhã receberão, algum dia, o mesmo tratamento dos injustiçados de hoje?

Não se combate a discriminação privilegiando-se o discriminado. Isto só acentua desigualdades – por incrível que pareça – e acaba por discriminar o não discriminado, criando prevenções sociais vis e indesejáveis.

O avesso da discriminação também é discriminação.


Publicado em blog do mesmo nome, do autor, no Uol,
em 26/06/2004.
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Um comentário:

  1. Pitacos transpostos do post original:

    [O próprio autor] A matéria foi publicada no jornal A NOTÍCIA de Joinville-SC, hoje.

    29/06/2004 14:00

    [Glauco Damas] [gd@glauco.damas.nom.br] [http://portugueshoje.blog.uol.com.br]
    Oi. Ótimo texto! Por que você não o envia também a um jornal?

    27/06/2004 00:29

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