sexta-feira, 27 de novembro de 2009

D A I A N E

.
Errei porque errei... um pouco de nervosismo... eu sei fazer tudo... no treino deu certo aqui errei, eu errei, foi só isto... eu não estou triste por não subir ao pódio, mas porque eu errei ali...

Nenhuma desculpa esfarrapada, nenhum redirecionamento de responsabilidade, embora a repórter da Rede Globo tentasse, de todas as formas, arrancar uma resposta padrão, recheada dos chavões que geralmente os perdedores avocam para justificar seus erros. Afastou a qualificação de semideusa que lhe quiseram impingir. Apesar de toda a cobrança, demonstrou ter discernimento suficiente para saber que não é devedora.

Também não é uma perdedora – e agora sou eu que me permito utilizar lugares comuns – porque já comprovou que o que não conseguiu fazer ontem já o fez com precisão em outras ocasiões.

Venceu quem arriscou menos e por isto errou menos. Daiane arriscou mais, com dois movimentos que ela criou, de elevada complexidade, e errou mais.

Mas ela sabe e sabe que sabe. Isto, em termos, é o que importa. É claro: uma medalha olímpica é um empurrão para frente, a consagração, a possibilidade de ganhos financeiros que certamente a tranqüilizariam quanto ao futuro e a retirariam mesmo do nosso Jardim Urubatã – ela mora aqui, não sei se vocês sabem, embora treine em Curitiba.

O que falta aos nossos atletas solistas não é treinamento físico. É uma assistência psicológica mais eficiente e personalizada. Percebe-se uma tensão invencível estampada no rosto de cada um, quando focalizados em close no momento da prova. No semblante dos concorrentes estrangeiros isto não aparece com tanta evidência: demonstram mais segurança e os traços do rosto influenciam no ânimo. Também um apoio oficial mais efetivo. Só telefonar depois não adianta.

Foi por causa do joelho? O que você sentiu? Você está triste? – tentei imaginar qual seria a reação da repórter se ela respondesse que estava alegre.

Sua mãe te ama – a repórter repetiu a assertiva diversas vezes tentando arrancar alguma lágrima. Mas ela se manteve firme. Não chorou.

Sua mãe está dizendo que você já é uma vencedora, uma guerreira, ela está muito emocionada, ela diz que te ama – e nada!

A televisão não gosta de reações autênticas. A repórter ficou mais desconcertada com a falta de lágrimas do que a Daiane por não ter conseguido medalha.

.
.
.
.
Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 24/08/2004.
.

Um comentário:

  1. Pitacos transcritos do original:

    [Carlos Damião]
    [continuando]. Essa coisa da "aposta" global me lembra a história do Guga. O pé-frio da Globo é tão danado que o nosso atleta começou a perder depois que a emissora colocou sua máquina a serviço dele. Idem com a RBS aqui. Enquanto ele ia bem, a RBS ficava frustrada porque não tinha alguém da rede lá, acompanhando de perto. Mandou um repórter para uma dessas competições importantes e... bau-bau! Guga começou a perder. É o peso da responsabilidade, de ter que dar a resposta que a emissora espera, porque há milhões de espectadores assistindo e milhões de reais girando ... Abraços Damião

    25/08/2004 00:46

    [Carlos Damião] [carlosdamiao@brturbo.com] [http://carlosdamiao.zip.net]
    Prezado Ilton Deixa eu meter o meu "pitaco" nessa história. Como sou do meio, já trabalhei em televisão (na frente e atrás das câmeras), sei como é essa coisa de se esperar um "resultado" daquilo ou sobre aquilo em que apostamos. Tive muitas decepções com pautas, entrevistas, debates. Esperava que o entrevistado falasse aquilo que planejávamos. O diabo do cara não se tocava. Uma vez, entrevistei um juiz [presidente do Tribunal Regional Eleitoral] sobre o período eleitoral. Meu roteiro exigia que ele respondesse de uma certa forma, mas ele [um alemão rude] nada. Fiquei frustrado, como a Globo ficou ontem, porque o resultado que a emissora esperava [para a sua caixa registradora] não aconteceu. O pior é que é isso mesmo, não se trata de competência ou incompetência dos repórteres e narradores, mas de ganância da rede de televisão. Daine era uma aposta da Globo. Perdeu porque é humana, falível, genial, gracinha, maravilhosa... Mas errou. Que bom que ela errou. [continuo adiante].

    25/08/2004 00:40

    [Thiago] [thamos@uol.com.br]
    Bravo, Ilton! Se os profissionais da TV pensassem como você, pelo menos na hora das entrevistas, elas seriam mais sensatas e interessantes. Por isso que preferi assistir à performance da Daiane num canal pago e independente da Globo, o BandSports. Fiquei livre dos comentários "brilhantes" de Galvão Bueno e das tais entrevistas dramáticas.

    24/08/2004 14:39

    ResponderExcluir

Dê o seu pitaco: