sexta-feira, 17 de setembro de 2010

CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRÂNSITO

Publicado em 06/09/2007

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PARA UM FIM DE SEMANA LONGO, UM TEXTO LONGO,

abordando algo sobre que gosto de falar e que, no meu modo de ver, é o suprassumo daquilo que chamam de progresso.

Vivemos a Era do Ridículo, como disse outro dia, se não me engano, a Lúcia Hipólito. Ou, como diz o senhor Capanema, que mora em Aratingaúba, Santa Catarina: haja plano porque bobo não falta.

A última – certamente não a derradeira – ridicularia noticiada foi a impressão de um livro de dois metros de altura, difícil de guardar, difícil de ler, difícil de manusear, e colocado à venda por R$ 40.000,00...

Com esse preço, quantos livros de tantos escritores carentes por este Brasil afora, não poderiam ser editados?

Mas o assunto de hoje, mais uma vez, é o trânsito. Não consigo entender que o progresso instituiu o asfalto como piso de ruas e rodovias, para os veículos andarem mais rápida e fluentemente, e depois o homem vai colocando placas e atravancando essa fluência...

Bom feriadão e continuemos marchando!

.trandito .
NOVAS-VELHAS CONSIDERAÇÕES SOBRE O TRÂNSITO

A minha viagem ao centro, ontem, para montar a ação contra SKY, foi, como sempre, uma aventura. Uma boa aventura. Nunca encontrei tão poucas evidências de que logo logo terei que ajuizar uma nova ação, agora contra o Município de Porto Alegre.

Todo cuidado é pouco. Chapeuzinho Vermelho, quando foi visitar a vovó que depois foi comida pelo lobo, enfrentou bem menos percalços que eu. O que não é de se estranhar. Aquela menininha, se tivesse que fazer a pé a metade do trajeto que fiz, seria atropelada na primeira esquina. Antes, claro, surrupiariam sua cesta de guloseimas.

Em Taió, na minha infância, quando ia para o colégio e num acaso respeitável trombava com o seu Luizinho tirando o jipe da garagem tinha que esperar que ele saísse e só então continuar. Respeitávamos os veículos e os temíamos. Meu pai era mecânico e logo incutiu nos filhos a idéia de que é mais fácil uma pessoa esperar do que um veículo pesado parar de repente.

Muita coisa mudou, desde então, na relação motorista-pedestre. Descobri, no entanto, que estou do lado do bem. Ou melhor, que continuo do lado do bem no que se refere ao uso da via pública. Aliás, sempre estive do lado do bem, desde criança. Naquele tempo, como disse, tínhamos que cuidar com os carros – pouquíssimos – que porventura transitavam pela Rua Coronel Feddersen e aguardar que eles passassem antes de atravessar a rua.

Hoje não sou mais criança, mas sou ainda o que sempre espera. A perspectiva mudou, mas o meu comportamento, graças a Deus, não. Agora, do lado de cá, dirigindo um carro, sou eu quem deve esperar o pedestre atravessar a rua. Continuo do bem. Os do mal são os outros.

Ontem, por exemplo, uma gorda atravessou pachorrentamente a Avenida Cavalhada a uns quinze metros da faixa de segurança. Sabem aquele jeito de quem não olha para nenhum dos lados e atravessa pensando: se o cara me atropelar a imprensa e a opinião pública caem inteiras sobre ele? A culpa vai ser dele então ele que se f(*)da! De tromba empinada ela cruzou a rua, talvez ciente de que, numa batida, meu carro e eu sofreríamos mais danos. Fui obrigado a parar, tive reflexo suficiente para ligar o pisca-alerta, pois não se pode adivinhar o que vem por trás. É conveniente evitar prejuízos materiais de monta, na dianteira e na traseira.

Há armadilhas pelo caminho. A Avenida Cavalhada, um orgulho da administração do PT, tem, em grande extensão, três pistas em cada sentido. Mas em seguida à intersecção com a Otto Niemayer, para quem vai ao centro, só uma delas é utilizável. A da esquerda é exclusiva para retorno e se você, por engano, entrar nela, será obrigado a voltar. Há possibilidade física de ir adiante. Aliás, haveria, se nossas inteligentes autoridades de trânsito não resolvessem colocar cavaletes vermelhos impeditivos. Nada impede que se siga adiante sem dobrar à esquerda, respeitada a sinaleira. No lado direito da avenida, embora proibido, há sempre veículos estacionados, caminhões descarregando mercadorias e tudo se afunila inexplicavelmente para, logo em seguida, desafunilar com a mesma inexplicabilidade. Nossas artérias urbanas sofrem de colesterol...

Já falei que defronte ao Estádio Beira-Rio você tem que prestar atenção na sinaleira, numa lombada física, numa lombada eletrônica e no velocímetro do seu carro e, segundo o Código de Trânsito, ao que se passa ao seu redor e cuidar para ser visível? Com tanta coisa para prestar atenção, é difícil dirigir. Você nem precisa se distrair, muito pelo contrário: é mais fácil provocar um acidente estando atento ao que o Código de Trânsito estabelece que se deva atentar do que estando meio distraído.

As carroças têm sempre preferência, nas nossas ruas, e não precisam obedecer à sinalização de trânsito. Quando fecha o sinal é o melhor momento para elas: seguem, imponentes, fazendo os veículos da transversal pararem. Acho que foi por isto que o Moacir Scliar, certa vez, comparou os carroceiros de Porto Alegre a centuriões romanos peleando sobre bigas. Nunca mais li o Scliar depois daquilo. Mas estou pensando em comprar uma carrocinha para mim.

Os ciclistas também são numerosos. Um ciclista é mais perigoso que um motoqueiro. Tem-se a impressão de que ele está sempre se equilibrando precariamente naquele selim – assim o chamávamos na infância –, a bunda arrebitada, o tronco jogado para frente, a roda da frente sempre instável. Você pode ser surpreendido com um ciclista caindo a dois metros do seu veículo. Mas não se preocupe. O culpado será você. A preferência é, também, deles, ainda que não haja ciclovias no trajeto que faço. Você o vê longe, com aqueles capacetes ridículos que, numa queda, protegerão apenas o asfalto, e é obrigado a diminuir a velocidade.

Os motoqueiros não são tão perigosos. Eles costuram, costuram, costuram, mas aqui em Porto Alegre ainda são educados. Nunca vi algum quebrar o retrovisor de nenhum veículo, como em São Paulo. Certa vez um bateu meio forte no retrovisor direito do meu carro. Mas ele estava com o capacete protegendo o cotovelo e não sofreu nada. Nem caiu e ainda me xingou. Quis lhe pedir desculpas mas ele ia lá na frente, cabeça descoberta mas o cotovelo bem protegido. Talvez seja por isto que, este ano, já morreram 45 motociclistas em Porto Alegre. Com os cotovelos esquerdos intactos.

E os skatistas? São um capítulo à parte. Ontem, novamente, um marmanjo de uns vinte e poucos antes, barbado, navegava impunemente entre os veículos na Avenida Praia de Belas. Também os skatistas têm preferência sobre os veículos. Aliás, faz tempo. Guardo o recorte de uma notícia do Correio do Povo de 26.10.2000, sobre o atropelamento e morte de um skatista na Av. Protásio Alves. No dia seguinte o Diretor da Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) informou que havia um programa de conscientização de skatistas, para orientá-los a cumprir as regras de trânsito, concluindo que existe uma hegemonia do automóvel na via, mas ela é todos, de pedestres e até de skatistas.

Acho que o programa não deu certo. Caso contrário aquele marmanjão não estaria atrapalhando o trânsito na Praia de Belas ontem. Desculpem o ato falho: nós, os motoristas, é que o estávamos atrapalhando. Hegemonia do automóvel? O meu, posso afirmar, domina integralmente o espaço transitável da minha garagem. Mais não!

Os ônibus também merecem menção especial, como os lotações. Tenho mais familiaridade com os da Zona Sul, mas não creio que sejam exceção. Os motoristas entendem que basta ligar a sinaleira para terem assegurado o direito de preferência. Mesmo que você o esteja ultrapassando e ele avance vorazmente sobre você.

Por isto que afirmei, no começo, vejo-me na obrigação de ajuizar mais uma ação, mais uma dessas que pode ser chamada de merdinha, como a que ajuizei contra SKY. Vou processar o Município de Porto Alegre para obrigá-lo a construir ruas e avenidas para o trânsito normal e seguro de veículos pequenos, cujos proprietários são os que mais pagam IPVA. Os ônibus já têm faixas exclusivas em alguns trechos.

Essas que estão aí já foram tomadas pelos pedestres, mulheres e homens gordos e magros, carroceiros, motoqueiros, ciclistas e skatistas... Façam vias novas para nós e deixem as que existem para eles...

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