Em 25/08/2005 publiquei no meu antigo blog do mesmo nome, o texto abaixo, sobre Fidel Castro. Apesar do tempo decorrido, não está completamente desatualizado e, por isto, segue novamente. Minha antecipação, por tantos anos, pode ser explicada por Freud:
DEUS TE GUARDE, COMPANHEIRO FIDEL!
Tens amigos e admiradores no Brasil e no mundo. Dizem que Chico Buarque é
um deles. Não creio que ele gostasse de ter nascido em Cuba e vivido lá.
Certamente não faria o sucesso que fez nem alcançaria a fortuna que adquiriu
com seus próprios méritos, talento e esforço de compositor. Em Cuba os méritos
são do Estado.
Os intelectuais que conheço – conheço é modo de dizer, pois não conheço,
pessoalmente, nenhum – adoram Cuba, mas não moram lá. Há uns 70 na ilha que
moram em cadeias e não creio que esse seja um bom lugar para eles.
Fernando Gabeira, um deputado federal de esquerda muito em voga
ultimamente, esteve lá. É possível que goste de Cuba. Mas em 31 de março de
2003 (poderia haver data mais apropriada?) representou perante o Congresso condenando
a prisão de 77 dissidentes cubanos e solicitando ao governo brasileiro gestões
para a sua libertação (aqui).
É cômodo se dizer simpatizante de uma realidade longínqua para parecer
humanista mesmo que ela seja a representação lídima da desumanidade.
Dizem que a medicina cubana é avançada. Mas eu não gostaria de morar lá
com a minha fibrilação. Os equipamentos são tão ultrapassados quanto os carros
que se vê nas ruas. Aliás, acho que os melhores mecânicos do mundo são os
cubanos porque para manter rodando uma frota obsoleta e caindo aos pedaços como
a de Cuba só com muita criatividade. A mão-de-obra de fundo de quintal exige
esforço. Meu pai foi mecânico, a partir de 1950, quando tudo era artesanal. Lá,
hoje, ainda deve ser assim. A culpa? A culpa é do boicote americano, claro. Cuspo
na cara do meu vizinho, mas tenho o direito de exigir que ele me ajude se eu
estiver em dificuldade.
Lá, os artistas, para sobreviver, devem fazer bicos, como engraxar
sapatos. Ibrahim Ferrer, que morreu dia 06, submeteu-se a isto. Já
imaginaram o Chico como engraxate para poder viver um pouco mais condignamente?
Ou o Milton Nascimento, o João Bosco, o ministro Gilberto Gil, o Caetano
Veloso?
Quem viu o documentário Buena Vista
Social Club se comoveu com aqueles velhinhos conformados e perdidos que o
companheiro Fidel e sua reinvolução
isolaram. Eles teriam enriquecido a cultura cubana com mais eficiência do que
os projetos do ditador e, ao mesmo tempo, levariam uma vida menos penosa.
Ver um pianista como Rubén Gonzáles y Fontanillis alquebrado, com artrite
(a medicina cubana, tão avançada, não lhe valeu) tocando num piano antigo, de
parede, quando poderia se ter lançado no mundo como virtuose ou com melhores
condições de desenvolver seu talento, é um crime contra a Cultura.
Com que direito o companheiro Fidel podou a vida de tantos artistas e
intelectuais? Ele está acima do bem e do mal, dispõe de onisciência tal que tem
o direito de dominar tudo o que se movimenta naquele paraíso infernal? Claro
que sim.
Ele lesou artistas que apenas representavam o melhor da arte musical do
país simpático que tornou seu quintal. É o senhor privilegiado de uma ilha que
não precisou comprar. Ainda o pagam para ser dono dela e administrá-la tão mal
e retrocessivamente.
Mas ele não conseguiu a chama da Eternidade.
Quando morreres, Deus te guarde, companheiro Fidel. Num lugarzinho
especial, isolado e silencioso. Nem te desejo choro e ranger de dentes. Apenas
o silêncio. O silêncio eterno e triste dos artistas que amordaçaste.