terça-feira, 18 de outubro de 2011

VOCÊ PREFERE UM NEGRINHO OU UM BRANQUINHO?

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No tempo da infância de minha filha, quando ela comemorava aniversário, caprichávamos nos docinhos. Havia dois tipos opostos, entre muitos outros que se fazia, que eram chamados de branquinhos e negrinhos.
Os branquinhos eram à base de leite condensado com coco, revestido de coco ralado; os negrinhos eram à base de chocolate e enfeitados com chocolate granulado. Hoje em dia são chamados de brigadeiros. Por quê?
Porque é politicamente incorreto chamar docinhos escuros de negrinho. Você não percebe uma conotação racista no substantivo? Eu também não! E é difícil arrancar uma conotação deste tipo de um substantivo. Os adjetivos é que são apropriados, mas...
Nos aniversários infantis daquele tempo nenhuma malícia havia nas crianças esbaforidas: mãe, quero um negrinho! ou mãe, quero um branquinho! Eram as expressões mais ouvidas nos aniversários (naquele tempo as crianças eram educadas e ainda pediam docinhos). E os negrinhos, por serem de chocolates, eram os que mais agradavam as crianças.
Há muitas outras coisas hoje indicadoras de situações que mentes poluídas consideram politicamente incorretas. Já ouvi críticas acerbas à expressão mercado negro, quando se fala do dólar americano – quando se falava, porque hoje o dólar está tão desprestigiado que só é negociado no mercado branco (de novo, sem qualquer conotação racista). Também é incorreto dizer que a coisa está preta, por mais preta que esteja e está. Ambas as expressões guardariam, ainda que reconditamente, alguma alusão pejorativa à raça negra.
Não acho. Não acho que essas expressões, e outras parecidas, tenham emergido em nossa língua como decorrência de situações que envolveram ou envolvam a raça negra. Acho que elas definem apenas situações opostas à, por exemplo, claridade.
Se a coisa está preta quer dizer que não está clara. A expressão mercado negro significa um comércio feito às escondidas, não às claras, e até que me provem o contrário não creio que seja oriunda de antigos mercados de escravos onde os negros – mas não só eles – eram vendidos como tal. O mundo teve, em muitas eras, escravos brancos. Os índios também foram escravizados no Brasil, embora sua submissão não tenha sido bem sucedida.
Estamos nos perdendo nos detalhes, enquanto o principal fica resguardado e livre de enfrentamento. Tempos obscuros, estes, o de considerar o uso inocente da palavra negrinhos como pejorativo. Ainda que esses negrinhos sejam uma expressão infantil e representativa da mais achocolatada doçura. 
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Publicado originalmente em 02/05/2008,
no blog Jus Sperniandi, então no Uol.
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quarta-feira, 12 de outubro de 2011

O DIREITO DE ABUSAR

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Posso ser tachado de conservador, mas considero no mínimo enviesada a visão do trabalhador que faz greve presciente de que sua ação vai prejudicar terceiros que não têm condições de acolher suas reivindicações. Mas é isto exatamente o que eles querem: usar clientes como alavanca para conseguir objetivos corporativos, ainda que justificáveis ou justos.
Sem criatividade para se voltar contra os que podem resolver seus problemas, prejudicam as pessoas comuns do povo tentando comover o patrão. Esquecem que o patrão está a anos-luz à frente, conhece os meandros dos movimentos paredistas em suas minúcias e não se comove com o que está familiarizado. O partido do Governo foi quem aprimorou esse tipo de atividade no Brasil, é especialista, e sabe que o melhor a fazer é não fazer nada e é o que sempre faz. Nem vai abrir licitação para comprar lenços de papel.
Nessa queda-de-braço de cachorros grandes quem acaba amarrado é o povo.
Na minha vida de Juiz, duas vezes a categoria entrou em greve. Não participei de nenhuma. Continuei trabalhando normalmente. Mais do que isto: quando servidores do cartório entravam em greve respeitava o direito deles, mas não suspendia as audiências. Eu mesmo datilografava ou digitava as atas.
Preocupava-me a situação dos que nada têm a ver com a briga entre empregados e patrão. A Justiça já é morosa por si e uma greve só os prejudicaria ainda mais. Posso ter sido rotulado de qualquer coisa, além de conservador, mas nunca dei muito valor a rótulos, a não ser de uísque, e isto no tempo em que podia bebericar nos meus arraiais eminentemente domésticos.
A greve é um direito constitucional não regulamentado. A falta de regulamentação não surpreende. O Governo e o Congresso nunca foram exemplos de operosidade e em muitos casos são mais morosos que a Justiça. O Legislativo levou 14 anos para definir a questão do § 3.º do artigo 192, da Constituição, permitindo que milhões de brasileiros vivessem na doce ilusão de que os juros bancários estavam mesmo limitados a 12% ao ano. E resolveu da pior forma para o povo: revogou o dispositivo e remeteu a regulamentação do Sistema Financeiro Nacional a leis complementares. Mas não as elabora. 
A falta de regulamentação não impede a averiguação do abuso, que emerge sempre que o exercício de um direito invade demasiada e injustamente o direito de outrem. Por isto é fácil identificá-lo juridicamente, declarar ilegais greves com essa característica e repor os eixos nos mancais. Falta, mesmo, é coragem para se indispor contra certos segmentos sociais que podem servir de fiel na balança eleitoral.
O pior é ver a população sofrer e servir de espeque para que bancários, policiais e funcionários públicos – como, agora, o pessoal dos Correios – pleiteiem melhoria salarial, por mais justo que isto seja. O povo brasileiro já sofre bastante e não precisa do incremento de nenhum tipo de sofrimento extra imposto por quem tem o dever de, exatamente, mitigá-lo.
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domingo, 9 de outubro de 2011

ALGO EM COMUM COM A RIHANA

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Vocês viram a cantora Rihana? Ela trocou de roupa dentro de um carro. Quanto vi a chamada no portal do Uol, me interessei e vi o vídeo. O que ela fez foi fichinha perto do que eu fiz: ela é magra, tinha espaço suficiente no interior de uma limusine imensa e, além de tudo, deve ter ganho uma nota preta. Eu, quando prestava concurso para Juiz em Porto Alegre pesava 116 kg, troquei de roupa no interior de um fusca (táxi) e não ganhei absolutamente nada.
Ela deve ter se divertido. Para mim, agora, o meu caso pode parecer engraçado, mas aquelas horas foram angustiantes. Só mais tarde eu ri.
Vim a Porto Alegre para uma entrevista com um desembargador. Eu tomava o ônibus às 22,00 horas em Pouso Redondo, perto de Taió, e vinha por Lages, Vacaria, São Marcos, Caxias do Sul... Chegava por volta de 7,30 horas.
A Penha naquele tempo só colocava ônibus vencidos nessa linha, sem calefação ou ar condicionado, e no inverno padecia-se muito frio na serra. Eu vestia, por baixo, dois pares de meia, ceroulas, blusas e forrava o tênis com jornal.
(Numa viagem fiquei condoído com o sofrimento de uma moça desprevenida, não habituada ao itinerário. Ela tremia, coitadinha, e até dividi com ela a manta que previdentemente trazia).
Cheguei e fui a uma farmácia comprar sabonete para tomar banho – a rodoviária dispunha de chuveiros – e vestir a fatiota para bem impressionar o entrevistador. Então percebi que esquecera a leva-tudo no ônibus, com a documentação e o dinheiro. Apavorei-me.
Voltei o mais rápido possível. Era tarde: o ônibus fora levado à garagem, no Bairro Navegantes, que eu nem sabia onde ficava.
Convenci um taxista a me levar até lá. Prometi o meu relógio se não conseguisse recuperar o dinheiro.
Na garagem o atendimento demorou. Estavam limpando o ônibus. Suspirei aliviado quando a servente entrou no escritório com a carteira. Logo a apontei para a atendente que pediu um documento para comprovar. Repeti, um tanto surpreso, que os meus documentos estavam todos no interior da leva-tudo.
Boa vontade nunca foi predicado de quem cumpre rotinas ordinárias e as vê quebradas por circunstâncias ocasionais exigentes de um esforçozinho pouco além do usual. Mas minha carteira de identidade era de 1977, estávamos em 1981, e não havia muita diferença entre a minha fachada e a foto. Tive que assinar uns papéis mas o pior fora vencido.
Eu que pensava! A entrevista fora marcada para as 9,00 horas e já eram 8,30. Eu me sentia desconfortável por uma noite mal dormida. Os cabelos sebosos exigiam banho. Mais do que isto, precisava trocar de roupa.
Perguntei ao taxista quanto demoraria até o Tribunal. Se tudo transcorresse bem, uns vinte minutos. Não dava para fazer mais nada.
O táxi era um fusca, graças a Deus sem o banco do caroneiro. Eu, como já disse, pesava 116 kg, na época. Mas não tive dúvidas:
– O senhor dirija, por favor, o mais rápido possível e não se assuste com o que vai acontecer aqui. Tenho uma entrevista importante às 9,00 horas e sou obrigado a vestir um terno.
Fui tirando a roupalhada que vestia. Foi difícil naquele espaço exíguo, mas consegui me trocar. A cada gemido que eu dava o taxista me olhava pelo retrovisor, mais desconfiado que bode em canoa...
Cheguei em cima da hora, com um garbo ressabiado, aparentando naturalidade, de terno e gravata. Com a mala nas mãos mais parecia um mascate do que um candidato a juiz. Deixei-a na Portaria do Tribunal e subi para a entrevista que transcorreu normalmente, tanto que passei no concurso.
Nada contei ao entrevistador. Para um novato não ficava bem ir logo relatando intimidades. Poderia ser mal interpretado e pôr minha carreira em risco. Em cabeça de juiz não se deve confiar.
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quinta-feira, 6 de outubro de 2011

SOBRE A NÃO CASSAÇÃO DO PREFEITO DE FLORIANÓPOLIS

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Assisti pela tevê ao julgamento no TSE dos recursos pleiteando a cassação do mandato do Prefeito Dário Berger, de Florianópolis, pelo qual não nutro nem simpatia nem antipatia, pois não conheço detalhes de sua gestão. Mas acho que o TSE acabou, mesmo por linhas tortas e tortuosas, fazendo justiça. Teria votado no mesmo sentido, embora sem acolher a tese da ministra Carmem Lúcia, relatora. 
Entendo que uma consulta não cria, não extingue nem modifica direitos. Ela pode apenas preveni-los e, ser, depois, em face de circunstâncias específicas, considerada ou não. No caso, foi valorada e significativamente.
A vedação à reeleição não é pessoal, isto é, não foi instituída em função da pessoa física do candidato, mas sim do cargo. Como entendo, a lei visa proteger o ente administrativo (Município, Estado, União Federal) e não tolher direitos de cidadãos a este pretexto. Caso a CF considerasse essencial o princípio da pessoalidade na vedação, a teria instituído também para os cargos legislativos.
O espírito do julgador é o de evitar que num mesmo Município (por exemplo) um candidato se valha indevidamente da máquina administrativa face à intimidade que a continuação no exercício lhe confere. Visa impedir o mau uso da coisa pública acessível mais facilmente a quem ocupa o mesmo cargo eletivo por mandatos a fio (Prefeito, Governador e Presidente). Para quebrar-se o ciclo, instituiu-se a vedação à segunda reeleição.
Sem dúvida nenhuma, o cargo de prefeito de São José é um e o cargo de prefeito de Florianópolis, outro. Tanto que a posse ocorre em um ou outro Município, com termos de compromissos próprios e perante as respectivas Câmaras de Vereadores em atos jurídicos distintos, independentes e paralelos. E, naquele mesmo momento, outro candidato até de outro partido pode estar assumindo ao cargo que, antes, foi do reeleito agora em Município diverso. Então, não se pode considerar que há continuísmo no exercício do cargo, pelo menos não do mesmo cargo.
Além disto, e agora e escrevo sem preocupação jurídica, seria muito estranho se ter deixado o candidato assumir pela terceira vez (primeira, considerando-se Florianópolis) e defenestrá-lo do cargo somente na quarta. Claro que não se pode falar de direito adquirido, muito longe disto, mas a ilegalidade, se houvesse, já teria ocorrido da terceira vez. A legislação veda a segunda reeleição. Então, se não tinha direito adquirido, ele tinha pelo menos a segurança jurídica, pelo ato precedente, de que na quarta não estava cometendo irregularidade.
Surpreendeu-me o lamurioso voto do ministro Arnaldo Versiani que usou seu tempo esclarecendo que seu entendimento, em casos semelhantes, era pela não cassação, que votara duas vezes nesse sentido e depois, sentindo-se pressionado pela maioria, alterou seu voto em prol da cassação do, a meu ver impropriamente denominado, “prefeito itinerante”. Mudou o voto, mas não o entendimento, pois sempre ressalvou nos julgamentos posteriores sua posição. Então, chegada a vez de fortalecê-la, desprezou-a em prol da coerência de seus votos incoerentes em relação a seu entendimento anterior.
Confundi-me, também, com a declaração de voto da ministra Nancy Andrighi. Tive a nítida impressão de que ela, mesmo repelindo os argumentos da relatora, aderira ao voto do ministro Marco Aurélio e, por isto, negara provimento aos recursos, isto é, à cassação. Mas não, ela votou a favor, embora até agora eu não tenha entendido por quais argumentos.
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terça-feira, 4 de outubro de 2011

COMO PROMESSA DE CAMPANHA, VALEU.

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Agora...

O governo federal modificou o modelo de privatização de rodovias executado pela presidente Dilma Rousseff quando ela era ministra da Casa Civil, em 2007, informa reportagem de José Ernesto Credendio, Dimmi Amora e Renato Machado para a Folha.

A íntegra está disponível para assinantes do jornal e do UOL (empresa controlada pelo Grupo Folha, que edita a Folha).

A então ministra conduziu a privatização de sete lotes de estradas – a chamada 2ª fase da desestatização.

O modelo Dilma, explorado fartamente na campanha eleitoral de 2010, conseguiu obter contratos com baixos preços de pedágio e cronogramas curtos na entrega de grandes obras.

Mas a fórmula não deu certo e resultou em sucessivos atrasos nas obras obrigatórias, protestos de usuários e ações do Ministério Público Federal contra a demora na melhoria das estradas.

A mudança veio neste mês, quando a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) lançou a concessão dos 475,9 km da BR-101 que cortam o Espírito Santo.

Ao contrário dos editais anteriores, o da BR-101/ES elimina grandes obras nos primeiros anos de concessão. A concessionária terá até 23 anos para entregar a duplicação de 418 km da estrada.

Até 2022, precisam ficar prontos somente 207 km de duplicação. Um trecho de 35 km só precisa estar concluído por volta de 2035”.
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sexta-feira, 30 de setembro de 2011

E AINDA FALAM EM IMPUNIDADE!

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São cada vez mais freqüentes as notícias de cidadãos de bem punidos por infrações muito menos graves, puramente administrativas, do que os larápios que cometem delitos às vezes pesados e têm o privilégio de aguardar anos e anos soltos até o julgamento e muitas vezes, no final, são premiados com uma brilhante prescrição.
Isto revela uma face do Estado Brasileiro que destina valores elevados na instalação de serviços em que pode sacanear o contribuinte e auferir um lucrozinho extra nem sempre destinado para onde deveria, em detrimento de outras aplicações que nos daria pelo menos uma sensação de maior segurança como a construção de presídios, por exemplo. Mas esta é uma atividade não rentável, sem retorno financeiro e por isto sem prioridade.
As multas de trânsito são as meninas dos olhos brilhantes dos nossos governantes e sobre as quais repousam cobiçosos anseios arrecadatórios. Na sua cobrança a atuação do Estado é impecável. Nunca há falta de recursos e meios para arrecadar.
Infrator da lei é um quase-bandido que infringiu alguma regra do Direito, a base reguladora da ordem social, e por isto merece pena. Se você, num domingo à tarde, no período de férias escolares, cruzar a 50 km por hora uma lombada eletrônica defronte a um colégio fechado que estipula velocidade máxima de 40 km, sofrerá uma multa de 120 UFIRs. Já se você esfaqueou seu vizinho e produziu-lhe lesões leves poderá ser até perdoado ou pagar uma cesta básica como pena e fica tudo por isto mesmo. É menos grave lesionar um vizinho – um delito de resultado concreto – do que cruzar uma lombada eletrônica a 50 km por hora sem risco a ninguém – uma infração administrativa sem resultado.
Um amigo meu foi pego por um radar móvel a 97 km por hora na rodovia Tabaí-Canoas, que tem três pistas em cada mão, num local onde, inexplicavelmente, a velocidade é reduzida para 60 km por hora. Segundo ele, acompanhava, como muitos, o fluxo normal de veículos no local naquele momento.
A infração é considerada gravíssima porque o excesso de velocidade foi superior a 50% do máximo permitido para o local. Além da pena pecuniária sofreu sete pontos na Carteira de Motorista e interdição – e isto que me impressionou –, por dois meses, do direito de dirigir.
A interdição de direitos é, em muitos crimes, uma pena acessória dificilmente aplicada porque se qualifica, na realidade brasileira de hoje, em pena muito severa. O próprio nome já o diz: interdição de direitos. Significa que você será tolhido em alguma atividade que tem direito de desenvolver, o que pode significar perda de alguma oportunidade ou descontinuidade de afazeres que pode lhe acarretar prejuízos e perdas irreparáveis.
Não se está defendendo os infratores de trânsito. Estes devem ser punidos quando cometem infração. Mas também não se os pode considerar bandidos apenas por isto. Por estas razões, é injusta a desproporção da pena para quem, às vezes, comete uma infração leve e sem colocar a vida de ninguém em risco em comparação com aquele que comete um delito mais grave e acaba sendo perdoado.
A agilidade do Estado em punir esses infratores e sua extrema lentidão em processar e punir os verdadeiros larápios da nação, tanto aqueles que desviam para seus bolsos o dinheiro público como aqueles que cometem furtos, roubos, assaltos, lesões corporais e outros delitos capitulados no Código Penal e não são punidos, acaba por criar uma situação iníqua.
Então, punibilidade existe. Só que ela é capenga e não alcança a quem preferencialmente deveria alcançar.
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terça-feira, 27 de setembro de 2011

CONDOMÍNIO BRASIL: UMA PIADA REVISITADA.

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Publicada originalmente em 19/01/2006
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O síndico do Condomínio do Edifício Brasil foi finalmente notificado pelo Delegado de Polícia da cidade para prestar declarações em inquérito policial aberto contra ele.
Havia inicialmente suspeitas de desvio de dinheiro em sua gestão e a formação de um Caixa 2 para comprar o voto de condôminos em matérias de interesse de poucos, como o aumento da contribuição dos mais velhos porque, em tese, eles já estariam mais bem estabelecidos na vida.
Quem denunciou as irregularidades foi o contador Beto, que assestou metralhadoras principalmente contra os subsíndicos José Mercês e Obtúsio Aires. A este o Síndico delegara funções próprias de um tesoureiro.
O síndico tomou providências e exonerou a ambos de suas funções. Antes, chamou-os ao escritório e prometeu recompensá-los se não o incriminassem pelas ilicitudes cometidas.
O acordo demorou um pouco. José Mercês usou toda sua força argumentativa tentando convencer os demais a insistir veementemente em suas inocências, clamá-las em todas as oportunidades que tivessem: dizia que uma mentira repetida à saciedade acabava se tornando verdade.
– Vamos dizer que eles vão ter que provar, a gente vai esticando o processo, vai dizendo sempre, sempre, sempre, que é inocente e isto vai pegar. Um dia a gente sai livre dessa, sem poblema.
Não convenceu, mas acordaram que ele poderia seguir sua estratégia enquanto Obtúsio assumiria a responsabilidade pelo Caixa 2 e por uma conta no Exterior que até então era segredo.
Obtúsio compareceu espontaneamente à Delegacia. Assumiu parte da culpa, mas nunca com clareza. Chorou durante as declarações e disse que fora pressionado por empresas que atendiam ao condomínio e que estavam descontentes com os baixos pagamentos que recebiam. Ressalvou a total e irrestrita inocência do síndico Duda, que não sabia de nada pois ele, como tesoureiro de fato, era quem movimentava o Caixa.
Foi efetuada uma perícia contábil e ouvidas testemunhas, mas não se esclareceu, realmente, se o síndico tinha ou não ciência do rombo encontrado. Sérios indícios indicavam que sim, mas não havia uma segurança tão absoluta que permitisse ao Delegado enviar o inquérito ao Fórum indiciando o síndico e pedindo a abertura de ação penal contra ele também; quanto a outros não havia dúvidas.
Por isto o Delegado resolveu ouvir o síndico Ruiz Eduardo “Duda” da Silveira, e notificou-o.
A inquirição demorou mais de cinco horas. O síndico Duda era liso como uma lula e desviou-se das armadilhas mentais e das perguntas capciosas que o Delegado fazia, embora deixasse entrever que, efetivamente, não só tinha ciência como realmente participara de tudo. Mesmo assim o Delegado, homem extraordinariamente cauteloso, não ficou convencido. Ao fim da oitiva, assinado o termo, despediu o síndico:
– Muito bem. Está tudo certo então. Apenas por uma questão de lealdade, devo antecipar que não vou indiciá-lo por falta de provas. O senhor está dispensado, muito obrigado.
O síndico agradeceu, dirigiu-se à saída, mas antes de fechar a porta voltou-se, e perguntou, algo constrangido:
– Quer dizer, então, que eu não preciso devolver o dinheiro?
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sexta-feira, 23 de setembro de 2011

CARTA CAPITAL: IMPRENSA OFICIAL?

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Nunca entendi porque o Estado precisa de publicidade. Ao mesmo tempo, não sei se os órgãos de imprensa que recebem subvenções oficiais têm liberdade suficiente de discutir os problemas desse anunciante com objetividade e isenção crítica.
Propaganda e publicidade são modos de persuadir o público em geral sobre determinado bem da vida que se oferece, demonstrando sua qualidade e benefícios para sobrepô-lo a eventuais concorrentes ou para aumentar vendas.
O Estado não dispõe de nenhum produto que tenha similar no mercado que precise de publicidade. Ele exerce suas funções através de autarquias e empresas públicas sem concorrentes e tem meios de divulgar sua atividade – necessariamente a busca do bem comum – através de A Voz do Brasil, por exemplo, e ainda das emissoras de tevê do Executivo, do Legislativo (Câmara e Senado) e da Justiça e nos sítios de seus órgãos na Internet. Além disto, o Café com o Presidente (agora com a Presidenta). Talvez o que falta, mesmo, seja material convincente.
No Rio Grande do Sul, há alguns anos, a CRT – empresa telefônica do Estado – era uma grande anunciante. Anunciava na mídia e patrocinava um ou dois programas de rádio. Mas inexistia disponibilidade técnica de linhas telefônicas e se você precisasse de uma tinha que recorrer ao mercado negro. Então, para que a propaganda enganosa? Para inibir a publicação de críticas desfavoráveis pelos órgãos beneficiados. Parece óbvio que é extremamente desconfortável ao patrocinado criticar o patrocinador.
Jornais, periódicos, revistas, portais da internet, todos sobrevivem das subvenções – vamos chamar propositalmente assim – de seus anunciantes, mais do que das assinaturas de seus assinantes ou da compra avulsa de exemplares pelos interessados. Estes, naturalmente, compram o exemplar mais pelo seu conteúdo do que pela publicidade.
Carta Capital é uma revista chapa branca e, pelo que sei, a única convicta e confessa.
Na edição do dia 07 de setembro há uma profusão de propaganda estatal melhor seria dizer “governamental”: já de início, duas páginas de um anúncio do Governo Federal: “O Brasil está em boas mãos!” Nas páginas 6/7 o BNDS, uma empresa pública federal, compartilha uma propaganda de caminhões Volkswagen. Nas folhas 18/19 um anúncio do Governo do Rio de Janeiro: “somando forças, “marca registrada do Brasil”. Um pequeno texto dizendo obviedades ufanistas que, objetivamente, não dizem nada. Nas folhas 26/27 um anúncio da Caixa Econômica Federal. Nas folhas 39/40 um anúncio da Eletrobrás: “sustentabilidade é saber que uma usina hidrelétrica e o meio ambiente são uma coisa só”. Esse anúncio é integralmente repetido, igualzinho, nas folhas 62/63... Nas folhas 66/67 um da Petrobrás: “A Petrobrás já é a quarta empresa mais lucrativa das Américas” e “O barril da eficiência está valendo muito”.
Há, ainda, um Relatório Especial, com ares de reportagem, mas que é indisfarçavelmente um relatório ufanista oficial sobre hidrelétricas na Amazônia, que ocupa nada mais nada menos do que vinte páginas...
Qual a finalidade dessa propaganda oficial? Qual a mensagem importante que o Governo quer transmitir em cada um desses anúncios de duas páginas ricamente coloridas numa revista semanal, um deles inexplicavelmente repetido? O que nos aproveita essa propaganda vazia e sem objetivo prático que poderia ter sido veiculada pelos meios oficiais com os mesmos efeitos? Para inibir a publicação de críticas desfavoráveis aos órgãos anunciantes? Parece óbvio – repito – que é extremamente desconfortável ao patrocinado criticar o patrocinador. Isto para dizer o menos.
Sabemos quem paga os custos dessa publicidade. Nós, contribuintes, que carregamos nos ombros o gigantismo do Estado e sofremos com sua ineficiência crônica nos campos da Saúde, dos Transportes, da Segurança e da Educação. Mas que vemos nessa publicidade um Estado perfeito e pujante um jeito de jogar areia colorida em nossos olhos. Estamos pagando para que nos enganem.
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segunda-feira, 19 de setembro de 2011

ÉTICA BANCÁRIA: UM EXEMPLO

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Ética, segundo o Houaiss Eletrônico (parte-se, intencionalmente, de um conceito básico), é “parte da filosofia responsável pela investigação dos princípios que motivam, distorcem, disciplinam ou orientam o comportamento humano, refletindo esp. a respeito da essência das normas, valores, prescrições e exortações presentes em qualquer realidade social”. Por extensão de sentido, é o “conjunto de regras e preceitos de ordem valorativa e moral de um indivíduo, de um grupo social ou de uma sociedade”.
A Ética da sociedade brasileira é o instituto social que mais sofreu mutações na última década, principalmente através de motivações pífias que acabam se integrando ao cenário social por compassividade daqueles que deveriam fazer alguma coisa e se acomodam.
O mensalão, por exemplo, uma desonestidade federal, passou a ser aceitável em nome da governabilidade e porque “sempre se fez isto no Brasil”. O Caixa Dois do PT passou batido porque outros partidos fazem o mesmo. Quer dizer, ao invés de se tomar medidas enérgicas visando cessar esse estado de coisas, simplesmente se os agrega à nossa Cultura e a desonestidade passa a ser aceita e, muita vez, louvada.
Isto serve de introdução a uma questão relativa à Ética bancária, que é movida a lucro. Os bancos não cultivam essa parte da Filosofia com muita eficiência, mas ela é objetivamente mencionada na correspondência que recebi, em agosto, do Banco Itaú:
São Paulo, agosto de 2011. Ilton, Em setembro de 2009 o Itaú Unibanco, por decisão interna, cessou a cobrança da Comissão de Operação Ativa (COA), anteriormente prevista no contrato de seu cartão de crédito. Verificamos, no entanto, que após essa data (setembro/2009) ainda foram debitados em seu cartão n°************5066 (UNICARD VISA) valores relativos à COA no montante de R$ 6,35, já atualizado pelo IPCA (índice de Preços ao Consumidor Amplo). Obedecendo aos princípios de ética e transparência que norteiam o relacionamento do Itaú Unibanco com seus clientes, informamos que a devolução dessa quantia esta à sua disposição. Para que você possa receber esse valor, pedimos a gentileza de entrar em contato com nossa Central de Atendimento pelo telefone 0800 702 4985. Atenciosamente, Itaú Unibanco S/A.
Dá para perceber como funciona a enviesada ética do Itaú Unibanco?
O estabelecimento, solertemente, surrupiou, incluindo na linha de débito de meu cartão de crédito a importância de R$ 6,35. Num lampejo ético (ou há algo mais por trás disso?) apurou o equívoco. Então, o que deveria fazer? Simplesmente creditar-me o valor, comunicar o fato e fim de papo. Mas não! Para reaver o meu dinheiro que o Banco surrupiou EU preciso telefonar para o 0800 dele para, de certo, autorizar o crédito.
Mais ou menos como se eu fosse à padaria da esquina, comprasse R$ 6,35 de pão, esquecesse de pagar e, chegando em casa, lembrando o equívoco, enviasse uma carta ao padeiro pedindo que ele viesse a minha casa receber seu pagamento.
E o Banco tem coragem de, na sua missiva, referir princípios de ética e transparência que norteiam o relacionamento do Itaú Unibanco com seus clientes.
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sexta-feira, 16 de setembro de 2011

SE...


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A cultura “do que poderia ser” é volátil e abstrata. Se a Defesa Civil tivesse alertado a população mais cedo – é o que ouço por aí – muitos danos poderiam ter sido evitados. Claro, se houvesse tempo suficiente para todos os que fossem (notem, os que fossem) alcançados pelas águas pudessem retirar seus pertences de casa ou os erguerem para o segundo piso.
O Minhoca na Cabeça tomou a posição de não alarmar. Por isto, enquanto ouvia a Rádio Difusora alertando que a enchente poderia ser maior do que se esperava, achei que a população estivesse prevenida ou, pelo menos, sendo prevenida. Mas não houve alarmismo como, da mesma forma, não subestimaram esses órgãos a potencialidade das águas.
Agora estamos no campo das conjecturas e pouco a mais nos resta.
Se a atitude fosse alarmista teria sido melhor ou pior? Não sei, ninguém sabe nem nunca saberá. Ouvi apenas alguém dizer que os prejuízos dos comerciantes poderiam ser menores. De fato, poderiam. Mais uma vez estamos no condicional.
Qual, então, a atitude correta? A do alarmismo que provocaria uma correria maluca pelas ruas cidade, cada qual procurando salvar o que é seu, numa Rio do Sul cujas vias de escoamento são poucas, e que poderia provocar o caos também prejudicial? Agora é fácil dizer; mas antes, quando tudo estava acontecendo, era extremamente difícil porque não somos dotados do dom da adivinhação e a Meteorologia está longe, muito longe, de ser uma ciência exata. Não temo dizer que ela é 50% ciência e 50% especulação.
Mesmo com alarme nem todos poderiam safar-se porque faltaria mão-de-obra para prestar socorro a todos e, mais do que isto, faltariam veículos para transportar pertences e mesmo que estes houvesse faltariam trilhas para o escoamento.
Não estou defendendo nem acusando ninguém. Não fui afetado pela enchente, mas estou sem acesso a minha residência em razão do inacreditável e não previsto deslizamento de terras no Taboão. Não sei quando poderei voltar lá normalmente. Mas quando adquiri aquele imóvel e resolvi construir minha casa lá, assumi esse risco.
O que quero dizer é que assumimos riscos deliberadamente. Não foi o rio que saiu de leito para nos incomodar. Fomos nós que invadimos seu leito secundário, ou seja lá como se queira denominar isto que ele ciclicamente ocupa quando chuvas engrossam seu caudal e o fazem seguir caminhos marginais porque ele, definitivamente, tem que escoar por ali.
Pagamos, também, pela desorganização de nossa urbe, mas isto não é culpa da Administração. Ou residimos em áreas baixas sujeitas a cheias ou em áreas altas sujeitas a desmoronamentos. E ai de quem nos queira impedir de morar nos terrenos que adquirimos, muitas vezes a duras penas, e nos quais construímos nossas casas. Temos o direito à moradia e, em tempos de paz climatológica, não pensamos em nos precaver ao construir nossas casas e erguer nossos estabelecimentos comerciais em locais seguros.
A solução, agora, seria impedir a todos os atingidos pelas cheias de voltar para suas residências? Porque é certo, absolutamente certo, que outras enchentes acontecerão. Mas então, onde iríamos morar? Essa possibilidade é absolutamente absurda, pois seria uma violência inominável contra a liberdade individual e ao direito de propriedade impedir alguém de voltar para sua casa. Todos têm o direito sagrado de residir em suas moradias, sujeitando-se aos riscos da escolha.
Integra a natureza humana assumir riscos. A vida é risco e desde que nascemos assumimos os riscos de nossa vida. É bom não nos esquecermos disto.
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quinta-feira, 15 de setembro de 2011

MAIS SOLIDARIEDADE, MENOS INTOLERÂNCIA

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Em tempos de crise como a que estamos atravessando no Alto Vale, não existem privilegiados. Existem os que perderam menos e os que perderam mais, mas, de um modo geral, todos foram afetados pela catástrofe porque a paralisação do comércio, da indústria e dos serviços atingem a todos, mesmo os que moram em locais não atingidos pelas águas nem por deslizamentos.
Embora a Defesa Civil e os órgãos públicos – o Exército está por aqui auxiliando com desenvoltura – envidem todos os esforços possíveis visando minimizar o sofrimento, é óbvio que não se consegue, num primeiro momento, atender talvez a nem 10% dos necessitados. Somente com o escoamento das águas, permitindo acesso a lugares remotos, é que esse atendimento atingirá seus objetivos.
É hora não de intolerância, como manifestações aqui e ali, mas de união, de compreensão e solidariedade. Não se pode caminhar com pedras nas mãos porque não há inimigo a ser atingido, a não ser as aves de rapina contumazes que se aproveitam da desgraça alheia para roubar – estou falando dos bandidos, absolutamente facínoras, que cometem saques e invasões, mas para eles pedras é pouco. Mas os que estão envolvidos nas atividades de socorro estão fazendo o máximo possível para cumprir a difícil missão de atender aos reclamos dos flagelados, ou seja lá como se os classifique. São uma minoria pois a maioria foi atingida e, por isto, não conseguirão atender a todos, a não ser com o passar dos dias.
Não adianta, nestas circunstâncias, conhecer 100% da cidade de Rio do Sul se 95% dela está inacessível. Não se pode exigir que os serviços de socorro desempenhem suas funções como se tudo o que estivesse inacessível aos atingidos estivesse disponível, ainda que parcialmente, aos socorristas. É muito mais difícil, nestas circunstâncias, agir, do que esperar. E mesmo os que esperam devem, por força própria, tentar minimizar seus sofrimentos enquanto o socorro não chega, embora às vezes isto se torne difícil, quase impossível.
Recentemente o furacão Irene atingiu a Costa Leste dos Estados Unidos e deixou prejuízos de mais de três milhões de euros. O pior, e o que interessa aqui, é que houve 43 mortes e um desaparecido, só nos EUA. E este país, familiarizado com esse tipo de cataclismo, dispõe de uma estrutura de atendimento superior e altamente especializada. Mas não pôde evitar essas mortes.
Não é hora, por isto, de eleger culpados.
Por que há um outro tipo de ave de rapina que atua com desenvoltura nessas ocasiões: os oportunistas, que fazem demagogia criticando a Prefeitura e a Defesa Civil procurando, pelo que me foi dado perceber, dividendos eleitorais com isto ou, pelo menos, criticando por apenas criticar porque esta é a atividade mais fácil a se exercer em ocasiões como esta.
O homem não domina as grandes agressões da Natureza, como tufões, furacões, raios, tempestades, cheias, deslizamentos... Por isto, se tivermos que eleger algum culpado, é a própria Natureza que é assim porque é de sua natureza (desculpem a redundância) ser assim. Ao homem, em sua limitada atuação, só cabe tentar minimizar, nos limites de sua capacidade, os resultados danosos. Há milhares de anos a humanidade vem sobrevivendo deste jeito e é nisto que reside a sua força de atravessar milênios rumo ao futuro.
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terça-feira, 13 de setembro de 2011

FUGA DO DESLIZAMENTO EM RIO DO SUL

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A noite de quinta (8) para sexta-feira (9), aqui no nosso recanto em Rio do Sul, foi tenebrosa. Quem lê ou vê os noticiários por certo sabem que estou falando das chuvas que provocaram deslizamentos de grande proporção e enchente como poucas vezes vista na região.

Por volta das 22,30 horas ouvimos uns estalidos suspeitos na encosta do morro próximo à cabana em que estamos acampados enquanto terminamos a construção de nossa casa. Resolvemos, por isto, ir ao galpão de festa, construído mais acima e mais seguro porque longe de ameaças das pedras das escarpas.

A noite foi de chuva até por volta de 1,00 hora. De vez em quando percebíamos estrondos e ruídos algo atemorizadores, mas supúnhamos fossem apenas de pedras rolando nas encostas e quebrando galhos de árvores. Apesar de tudo, passamos bem a noite e de manhã fui avaliar eventuais danos.

Não percebi nada de anormal. Muni-me de uma enxada para desentupir o esgoto da lagoa de cima e quando fui verificar a de baixo, deparei-me com cinco ou seis voluntários, todos do bairro Taboão e conhecidos, alvoroçados, que foram nos buscar porque temiam pelo pior.

Ficamos de certa forma surpresos pois, aparentemente, nos arredores próximos nada havia acontecido. Então nos disseram que houve vários desmoronamentos de grandes proporções nas estradas de chegada e insistiram que arrumássemos nossas roupas para sair dali.

Foi então, na saída, que vimos o estrago. A ruazinha que fica no interior do nosso terreno até que resistiu. Mas da divisa até a rua Carlos Parma, e nesta, os estragos foram comparáveis a de um terremoto: a terra não deslizou propriamente, como nas cenas que vimos pela televisão em Cabo Frio, por exemplo; ela afundou, em alguns lugares significativamente, e se retorceu como se estivesse se acomodando em razão de um vazio nas suas entranhas. Os estragos se assemelham aos produzidos por um terremoto, tantas as rachaduras e desnivelamentos ocorridos no local.

O filminho acima dá uma pálida ideia do que ocorreu. As cenas estão demasiadamente curtas porque a filmadora estava apenas com um restinho de bateria. Além disto, nos lugares mais fechados, mesmo com a lente ampla, não se conseguia uma abertura suficiente para captar a totalidade dos danos. O câmera-man, eu, também não é lá essas coisas.

domingo, 21 de agosto de 2011

AMNÉSIA. NA VERDADE, MEMENTO.

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Este é um filme cujo enredo é deliberadamente intrincado. Se seu espírito estiver dirigido para um Dançando na Chuva, por exemplo, não deve ver Amnésia. Você vai detestar porque, mesmo que, no final, monte o quebra-cabeça, sairá esgotado do cinema. Se for com a namorada, melhor combinarem antes e não sentarem juntos. Não é um filme apropriado para namorar. Não é o que se pode chamar de entretenimento água-com-açúcar.
A primeira cena é a última do enredo. Até aí nada demais. Muitos diretores usam esse recurso para depois, em flashbacks, começar do início (a redundância é proposital) e chegar ao final exibido.
A diferença, aqui, é que as demais cenas obedecem ao mesmo critério: a seguinte é a penúltima, a posterior a antepenúltima e assim sucessivamente. É um filme de trás para diante. Mas alguns segundos das introduções de cada cena são repetidas para que o espectador possa se situar.
Por que isto tudo? Porque o personagem Leonard (Guy Pierce, de Los Angeles Cidade Proibida) sofreu um trauma neuropsicológico ao tentar socorrer a esposa, que foi estuprada e assassinada: desde então ele apenas sabe quem é e lembra sua vida anterior, mas depois de alguns minutos apaga-se em seu cérebro a lembrança de fatos e vivências recentes.
Não se trata de amnésia, a perda traumática da memória (na maioria das vezes reversível), mas apenas da perda da memória recente. Tanto que o filme, no original, se chama Memento (lembrete, anotação de algo para que dele não se esqueça) e não Amnésia. Mais uma vez a tradução é criticável.
Para manter o elo com esse passado e seguir sua obstinada busca por vingança, usa de métodos inusuais: tira fotos com uma Polaroid, faz anotações nelas e escreve bilhetes. Tatua lembretes dos fatos mais importantes no próprio corpo. Assim registra seu passado recente e não perde totalmente o controle de sua vida.
Os resultados são imprevisíveis. Ele é enganado por quem se diz amigo, mas apenas se aproveita da situação. É levado ao mundo do tráfico e mesmo sem o saber transporta uma fortuna no porta-malas do veículo que acredita ser seu e se envolve em outras confusões, mas o filme não descamba para o risível.
Obstinado pelo desejo de vingança, prossegue em sua busca, mesmo questionado por um policial amigo (?) de que tudo será inútil, pois sua condição retira-lhe o entendimento linear da própria consciência e mesmo que consiga o desiderato ele logo será apagado... Qual o sentido de matar o assassino da mulher se, depois, não se lembrar da vingança? Quantos precisará matar até se convencer, pelas anotações, de que alcançou o objetivo e encontrou o verdadeiro culpado?
O filme não fez sucesso comercial. Mas é, sem dúvida, um ótimo filme, e embora recente, já se tornou um cult. Merece destaque uma comovente história paralela que o personagem vivenciou antes da crise em razão de sua profissão de investigador de seguros, e que aos poucos vai revelando como reconhecendo que nem tudo é como parece. Essas cenas são em preto e branco.
O devedê apresenta uma facilidade: é possível ver o filme na ordem direta, bastando optar por “Se você sofre de amnésia, tecle aqui”. Perde um pouco a graça, mas facilita o entendimento.
A direção e o roteiro são de Christopher Nolan. Na trilha sonora, Radiohead, Moby, David Bowie e Paul Oakenfold. O filme foi indicado ao Oscar de Melhor Montagem e de Melhor Roteiro Original (2001), recebeu indicação ao Globo de Ouro e ganhou o prêmio de melhor roteiro no Sundance Film Festival.
Você pode ler uma interessante resenha historiográfica a respeito em Amnésia, o tempo como construção, de Norma Côrtes, cujas credenciais encontrará no site. São aqui omitidas para não provocar excesso de caracteres e impedir a postagem.
Aliás, se eu tivesse lido esse texto antes sentiria vergonha de postar o meu. Sinto muito: ele estava quase pronto e programado para hoje e sua finalidade é meramente indicativa.
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