sábado, 28 de novembro de 2009

UM VIOLINISTA NO TELHADO

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(Detalhe da capa do dvd nacional)
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Durante minha adolescência e parte da vida adulta detestei os musicais. Não entendia como, de repente, o personagem rompesse a seqüência de uma conduta linear e bancasse o idiota, passando a cantar, ainda que em relação ao enredo. Era ilógico.

Idem com números de danças quando dispensáveis. O filme não perderia nada sem esses números que privilegiam o artista em detrimento da história. Pura americanalhice – concluía – e saía do cinema às vezes antes do final. Assim, por exemplo, em Dançando na Chuva.

Depois que adquiri um hometheater (fiz um empréstimo na SICREDI para tanto), comprei alguns musicais, para testar o som, e conclui que nem todos são tão abomináveis quanto pareciam.

Um dos que assistira até o final, Um Violinista no Telhado, pedi que minha filha comprasse quando esteve em Londres (depois adquiri a versão lançada no Brasil).

A direção é de Norman Jewison, sempre seguro e objetivo. Os artistas são desconhecidos de grande parte dos cinéfilos. A maioria tem origem no teatro: trata-se de adaptação de um musical de grande sucesso na Broadway.

A ação se passa numa longínqua aldeia russa, Anatevka, onde convivem desconfiadamente judeus, em minoria, e russos, em setores – impossível chamar aquilo de bairros – separados, praticando pequenas e características mazelas.

O personagem principal é o leiteiro Tewye, pai de cinco filhas. As três mais velhas vão casando e rompendo tradições arraigadas. A cada rompimento um ingrediente novo e mais grave é introduzido e desespera o pai cioso de que as tradições devem ser mantidas porque constituem a base na vida em comunidade.

Tradição é o que dá equilíbrio à nossa alma – diz ele. Sem as nossas tradições a nossa vida seria tão instável como a de um violinista no telhado!

Seus monólogos com Deus são impagáveis, nem sempre conformados mas nunca revoltados: “Não é nenhuma vergonha ser pobre. Mas também não é nenhuma grande honra!” ou “Será que romperia um vasto plano eterno se eu fosse um homem rico?

A relativa paz familiar e comunitária é quebrada por injunções políticas. Por ordem do czar, os judeus são obrigados a abandonar a aldeia, retratando-se então uma partícula da diáspora.

Cada um procura o rumo melhor, conformado contra essa força superior e invencível. Na impossibilidade de resistir, vendem o que têm e buscam a América ou lugares mais distantes para viver.

Fica a lição: voluntária ou forçadamente, é possível quebrar tradições sem que este rompimento ocasione desvios irrecuperáveis ou causem à humanidade crises epilépticas irreversíveis. Foi quebrando tradições e fazendo revoltas que conseguimos algum progresso.

Pena que nem todas as lições são aprendidas. Nem outras mais graves e abrangentes, como na II Guerra Mundial. Se o fossem, certamente a situação no Oriente Médio seria outra e os perseguidos de outrora teriam mais compreensão com a sorte dos sem-pátria de hoje.

Mas a humanidade parece que não aprende e de hecatombe em hecatombe vai se destruindo e se reconstruindo logo à frente.

Voltando ao cinema: Dançando na Chuva – e agora vou arranjar briga com algumas amigas – é uma chatice mesmo.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 31/08/2004.
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MEU DESCANSO SEMANAL

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Deus é onipotente, mas descansou no sétimo dia.

Desconfio que não foi bem isto: os editores da Bíblia, que a publicaram milhares de anos mais tarde, deram uma arreglada aí e escreveram algo diferente. Nada indica que naquele tempo os patrões da grande imprensa fossem diferentes dos de hoje.

Acho que Deus estava tão entretido com suas criações que resolveu parar um pouco, pensativo. No dia anterior criara o Homem e, por sua onisciência, percebeu que fizera uma divina besteira. Tanto que logo expulsou suas criaturas do Paraíso. A primeira coisa que o casal fez, quando a sós, foi inventar o Mal e jogar a culpa numa cobra, como fazem muitos atletas – exceto a Daiane e poucos outros – e principalmente os políticos.

Deus cochilou quando criou o Homem. Imaginem a Terra sem ele: Sete Quedas ainda estariam intactas, as florestas exuberantes, os animais se digladiariam em lutas necessárias apenas à própria sobrevivência sem interesses econômicos e sem a exibição repetitiva e sádica do National Geographic ou do Discovery.

Se Deus parasse um dia antes evitaria, por exemplo, que lá pelo ano de 1947 nascesse, na Irlanda, um bebê inocente e querido pelos pais como toda criança, que estudaria Teologia, deixaria a batina, se transformaria num imbecil, e no domingo, no fecho das Olimpíadas de Atenas, tiraria a possibilidade da medalha de ouro na maratona do nosso Vanderlei Cordeiro de Lima.

Bem, mas o que eu queria dizer é que Deus, mesmo onipotente, descansou no sétimo dia.

Eu, que sou fraco, tenho fibromialgia, gastrite, dermatite seborréica, unha encravada e preguiça, sinto-me no direito de fazer o mesmo.

Não estou me comparando a Ele. Deus me livre! Mas já que o padre Afonso insiste que fui criado à Sua imagem e semelhança, vou descansar sempre aos domingos e não postar nada. Por isto não escrevi ontem. Claro que ninguém percebeu, até porque, pelo que notei no contador, nos finais de semana, os meus leitores se reduzem em pelo menos 50%: passam de oito para quatro.

Acho que são os meus irmãos e nem todos. Porque o Damião entrou. Mas o Damião é um gentleman de primeira.

Nem meus cunhados, depois que falei da mãe deles, têm acessado o blog. Não reclamaram, mas há silêncios que soam mais alto que os berros do Datena transmitindo vôlei em final de Olimpíadas.

Ela continua aqui. Eles não se preocupam porque sabem que está bem cuidada. Pela filha. Mas estou retirando o que disse para que possam acessar o blog de novo. Afinal, por parte dos Feuser-Fernandes, são os meus melhores cunhados.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 30/08/2004.
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sexta-feira, 27 de novembro de 2009

DAIANE E OS CHORÕES

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Noutro dia estava defronte à tv manuseando esse aparelho que, sem dúvida nenhuma, é um dos mais importantes da era da comunicação de massas: o controle remoto.

Vi o Alexandre Frota chorando. Não sei porque, pois mudei de canal. Mas imagino que tenha feito alguma coisa do mal, senão não faria sentido. O pranto, em certas fachadas, soa surrealista como a maquiagem triste na cara alegre de um palhaço.

Noutra ocasião vi o Romário lacrimejando. Também ignoro os motivos. Acho que foi por não ter sido, mais uma vez e injustamente, segundo ele, convocado para a seleção. Foi na Globo.

O Pelé é um chorão contumaz. Não pode ver um microfone que já vai se debulhando. Se eu fosse um comediante impediria o Pelé de entrar nos meus shows. Acho que até piadas lhe provocam lágrimas.

Não há nada que desabone a dignidade de um homem que chora, independentemente de sua corporatura. Mas não é preciso chorar sempre ou por ninharia. Isto desmoraliza o instituto emocional do pranto.

Já a nossa querida Daiane, que teria motivos muito mais do que os desses aí somados, não vai chorar. Não por falta de provocações. Numa entrevista ela foi tetra-assediada (veja
aqui).

Acho que o assédio lacrimal, assim como o sexual, deveria ser elevado à categoria de crime. Ou, pelo menos, de contravenção – sem querer, obviamente, censurar a imprensa.

Mas ela desenganou repórteres de rapina lacrimal:

"Eu não entendo essa coisa de chorar. Claro que fiquei com raiva. Você acha que não fiquei com raiva? Não foi raiva de ninguém, mas de mim mesma: poxa, quem errou fui eu. Eu sabia que poderia ter conseguido e não consegui uma medalha. E você sabe o quanto isso é importante não só para você, mas para milhares de pessoas que estão te assistindo e milhares de pessoas que trabalharam com você. Mas, mais importante do que para todo mundo, é para você que treinou. Imagine como você se sente, se poderia ter sido campeã olímpica e não foi? Óbvio, eu poderia ter me derretido chorando, mas não, não chorei. (...) Estou com muita raiva mesmo, estou puta da cara porque não consegui, mas não vou chorar, e acho que é mais porque as pessoas querem que eu chore. E eu não vou chorar e acabou".

Ela mede só 1,45 m. Mas cresce alguns metros quando dá essas lições. Atentem: ela vai fazer escola e ser logo imitada...

Disso tudo, temo duas coisas: que o Lula edite uma medida provisória obrigando-a a chorar ou que seja colocada no limbo e não mais entrevistada. Como disse outro dia, a televisão não gosta de gente autêntica. Na busca do emocionar, emocionar e emocionar o objeto do repórter tem que derramar lágrimas.

Para evitar isto, sugiro que o próximo entrevistador a assediar a Daiane use um microfone com essência bem forte de cebola. Talvez então ela chore, ainda que não naturalmente.

Se o repórter também chorar a emoção será dobrada. Quem sabe renda pontos no ibope e abra caminho para uma nova modalidade midiática: o choro conjunto e participativo. Entrevistador e entrevistado poderiam se abraçar e chorar copiosamente.

Haja coração!

Se acatarem a idéia, dispenso os royalties. Hoje estou muito generoso e disposto a colaborar desprendidamente para o sucesso alheio.

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 28/08/2004.
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NOTAS DE RODAPÉ

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Honestamente não creio ser possível um retrocesso tão grande neste país a ponto de se conseguir censurar oficialmente o trabalho da imprensa. É algo absolutamente impensável. Mas tenho visto tanta mudança que julgava impossível, tantos lobisomens uivando nas noites de lua cheia, direitos adquiridos pisoteados, o ato jurídico perfeito desconsiderado que, na verdade, estou apreensivo e chegando à conclusão de que nada, absolutamente nada, é impossível.

A política do é dando que se recebe não é criação do governo atual. Acho que começou com a república. O FHC a aprimorou mas não conseguiu muitos resultados porque o PT era oposição e podou muitas de suas pretensões – boas e ruins. O governo Lula está dando lapidadas muito especiais e a levando às ultimas conseqüências essa política e com resultados mais positivos. A
oposição de hoje é mais volúvel.

Quem lê o meu blog pode sentir alguma má vontade contra o PT e o Lula. Não é bem assim. Minha indignação ética é que comanda meus pataços. E agora o Lula e o PT estão no poder. Não vou criticar quem não faz porque não pode. Mas não é má vontade. Critiquei o FHC, embora não dispunha de um blog para isto. Ele foi o melhor cabo eleitoral do Lula e continua sendo, ao que parece, ainda que inconscientemente para ambos, o guru recôndito da política atual.

O Estado vem distribuindo multas, diretamente ou por seus órgãos, com exemplar profusão. Todas serão pagas por nós, cidadãos comuns. Não se pense que as aplicadas à CELESC pelo apagão em Santa Catarina, no ano passado, não vão ser repassadas às contas de luz. Mas o presidente Lula vetou lei que elevava de 2% para 20% a multa dos inadimplentes condominiais. Aqueles que vivem em condomínio formam uma espécie de comunidade com interesses comuns. Quando um só condômino atrasa sua cota, sofrem todos os demais, pois as despesas têm que ser pagas. Só que elas não entram nos cofres do Estado.

Alguém lembra das simonetas? No tempo da Ditadura tentaram instituir o pagamento de um percentual cada vez que se abastecesse um veículo. Foi gasta uma fortuna na confecção de tíquetes especiais para isto. O nome simoneta homenageava o então ministro da Fazenda, Mário Henrique Simonsen. Pois não conseguiram. Mas a democracia do FHC nos aplicou, na calada da noite e sem alarde, a tal de CIDE – que o Lula, na campanha, não sabia o que era – e algo muito pior: a CPMF.

O presidente Lula anda fazendo afirmativas reveladoras. Tachou os jornalistas de “bando de covardes”, disse que fora ao Gabão para “aprender como é que se fica no poder por 37 anos e ainda se consegue reeleger” e que “se sente frustrado por ter sido rejeitado pelo Exército”. É impossível invocar Freud para explicar. Uma atenta amiga minha, que por sua vez tem uma amiga ligada à área médica, me advertiu que Freud está fora de moda. Não é preciso: seus assessores explicam, após servis gargalhadas, que o presidente é muito brincalhão e gosta de pilheriar com os outros. Espero que não sejamos nunca, por qualquer motivo e por qualquer forma, obrigados a achar graça dessas piadas e a gargalhar com eles.

Nem por decreto, digo, nem por medida provisória.

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 27/08/2004.
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ANÃO GIGANTE EXISTE...

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Em princípio, nada tenho contra as Olimpíadas. Servem, até, para quebrar a monotonia televisiva nossa de cada dia, apesar dos lugares comuns: a falta de criatividade faz com que os repórteres rebusquem coisas velhas nos seus baús e tentem nos impingir como novas.

O Arnaldo Jabor falou do Jesse Owens e da humilhação que em 1936 infligiu a Hitler, que por puro despeito teria se retirado do estádio, o que, a bem da verdade, não foi comprovado. O mundo não precisa mais dessas forçadas. Certas coisas não precisam ser sempre lembradas. As más lembranças podem induzir fatos negativos.

Ainda bem que não mostraram – pelo menos não vi – aquela alemã cambaleante, retorcida e descoordenada na linha de chegada de uma corrida como exemplo de superação. Aquilo foi a mais pura demonstração de desrespeito ao próprio corpo e à própria saúde.

Mas há a possibilidade de enriquecimento cultural. Com o Sílvio Luiz e a Magic Paula aprendi, por exemplo, que a Nova Zelândia fica na Europa... Logo em seguida eles corrigiram o erro.

Eu vi o Brasil conquistar sua primeira medalha de bronze, no judô. Foi uma luta sem graça, um agarra-agarra que não saiu da tentativa, parecia até que um estava tirando o outro para dançar mas não chegavam a um acordo sobre quem faria o papel da moça e quem o do varão. O brasileiro ganhou pelas punições que o adversário sofreu e não por algum golpe mais vistoso de sua iniciativa.

Eu fiz duas aulas de judô, no tempo da faculdade, no prédio da Medicina, situado na praça do "Kioski", que o Carlos Damião vem mostrando no seu blog. O professor era um Aducci, cujo prenome não lembro.

Experimentei então uma das minhas mais gloriosas realizações esportivas. Aquilo é que foi superação! Tinha que correr, apoiar as mãos no chão, virar, rolar, levantar e sair correndo novamente. Nunca conseguira fazê-lo antes, por isto exagerei na impulsão e cai de bunda. O choque foi tão forte que até o lustre estremeceu. E o piso era de concreto... Se o Aducci for muito persistente deve estar ainda hoje me esperando para a terceira aula.

Eu sei que é querer demais, mas preferiria que vencessem os naturalmente mais fortes. Aqueles a quem a natureza dotou de dons, força e talento superiores e não aqueles que os conseguem através de hormônios ou outras drogas. Os resultados que temos aí parecem artificializados através dessas substâncias e isto não pode servir de parâmetro para a história da fisiologia humana – se é que alguém busca algum estudo científico nas olimpíadas.

Vencem os que usam drogas cada vez mais elaboradas, recebem preparação especialíssima e são criados em viveiros com finalidade predeterminada. Como os nadadores. Li, numa reportagem sobre o Ian Thorpe, o australiano, que as drogas que tomava para reforçar sua massa muscular lhe davam aquelas feições de rosto e nariz compridos. Passei a perceber que com outros nadadores ocorre o mesmo. Daqui a uns tempos vai ser difícil distingui-los quando estiverem juntos no tablado de largada.

No final, a sensação de que foram quebrados mais recordes mas, pelos métodos empregados, que os novos limites superados foram sempre os artificiais e não os naturais do homem. Apesar de não se poder esquecer do treinamento a que se dedicam.

De resto, devo um pedido de desculpas ao meu filho. Sempre procuramos educar nossos num clima de absoluta sinceridade. Mesmo quando ele teve que tomar uma benzetacil e perguntou se ia doer eu respondi que sim, e bastante.

Quando contava com 8 ou 9 anos de idade me fez uma pergunta que só da mente infantil pode brotar:

Pai. Existe anão gigante?

Respondi que não, que seria um contra-senso, um anão gigante seria uma pessoa adulta normal.

Mas numa prova de levantamento de pesos vi um anão gigante oriental, não sei de que país, lutando contra seus flatos para erguer os halteres. Não deve ter passado das provas preliminares, porque não mais apareceu.

Então, meu filho, segue a retificação e o meu pedido de desculpas, embora com 10 ou 11 anos de atraso: anão gigante existe.
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R E T I F I C A Ç Ã O

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Mister Magoo corrige a nacionalidade da atleta que referi na matéria acima:

Ilton, a atleta aquela é suíça. E, de fato, tens razão, aquela imagem dela, por mais que tenha tamanho significado, já encheu a paciência”.

Obrigado, Bonassoli.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 26/08/2004.
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VOCÊ AINDA PODE SE TORNAR UM BANDIDO...

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São cada vez mais freqüentes as notícias de que cidadãos de bem estão sendo presos em flagrante por porte ilegal de armas registradas. Mas continuam os crimes praticados por marginais com armas irregulares na mesma intensidade, se não superior, à de antes da vigência da Lei do Desarmamento.

Isto revela uma face do Estado Brasileiro Democrático que, na verdade, parece mais uma democracia ditatorial ou uma ditadura democrática – fica ao gosto do leitor a ordem dos produtos – que consegue impor, na base do conchavo, da oferta de cargos nos altos escalões a partidos interesseiros para que passem a constituir a base aliada do Governo, o que nem mesmo a Ditadura Oficial Militar conseguiu.

No Brasil há mais de 300 mil infratores de trânsito dos quais o Estado não consegue apreender a carteira de habilitação. Essa a face boca-aberta do sistema: manda, mas não tem como fazer cumprir. É uma autoridade desautorizada e por isto estúpida. Mas as multas, as meninas dos olhos dos nossos preocupados governantes e sobre as quais repousam cobiçosos anseios arrecadatórios, serão cobradas. No Rio Grande do Sul foi aprovada lei instituindo o parcelamento para facilitar o pagamento.

Infrator da lei é um quase-bandido que infringiu alguma regra do Direito, a base reguladora da ordem social, e por isto merece pena. Se você, num domingo à tarde, no período de férias escolares, cruzar a 50 km por hora uma lombada eletrônica defronte a um colégio fechado, sofrerá uma multa de R$ 120,00. Já se você esfaqueou seu vizinho e produziu-lhe lesões leves poderá ser até perdoado ou pagar uma cesta básica como pena e fica tudo por isto mesmo.

Bandido é um infrator mais pesado. É o mesmo que malfeitor, que segundo o Aurélio, é “aquele que comete crimes ou delitos condenáveis; celerado, facinoroso, facínora”. Quem porta arma, mesmo registrada, é um malfeitor, pois está cometendo um crime inafiançável. Então é um bandido.

Aquele vigilante de Rio Grande que com sua arma registrada desferiu um tiro no chão para apartar uma briga de terceiros é um malfeitor (Correio do Povo, Porto Alegre, 05/01/2004). Os brigões, que se engalfinharam por uma querela no trânsito, certamente nem respondem a processo. Mas aquele que acabou com a briga, sem agredir ou ferir ninguém, e que evitou um resultado que poderia ser grave (como a lesão de um dos dois contendores) é o bandido que foi preso em flagrante. Os brigões são os mocinhos e o xerife é vesgo por força de lei.

Também aquele cidadão que, conforme A Notícia, de Joinville, de 23/03/2004, desferiu um tiro na bunda de um elemento que tentava arrombar seu veículo na garagem de sua casa foi autuado em flagrante. O arrombador não sofrerá pena concreta. Seu ato não passou de tentativa de furto (se tal for configurado). Mas o cidadão que defendeu seu patrimônio vai responder por porte ilegal de arma, sujeito a condenação.

Então tome-se redobrada cautela. Está muito fácil ser bandido neste país. Mesmo que tente fazer algo positivo você poderá ser preso inafiançavelmente.

Se, por exemplo, em alguma ocasião, um ladrão se aproximar e você conseguir segurá-lo com uma arma, mesmo sem atirar, cuidado! Ele não terá feito nada e você não conseguirá prova contra ele. Quando a polícia chegar, você irá preso em flagrante porque porta uma arma, ainda que registrada. Ele não. Afinal, nada mais fez do que supostamente ameaçá-lo de um hipotético assalto. Você é que praticou um crime. Melhor fazer um acordo e nem chamar a polícia...

Pelo critério de valores sócio-governamentais vigentes cabe a você optar entre ser assaltado ou se transformar em malfeitor e ser condenado. Essa a ótica dos nossos legisladores. É menos grave lesionar um vizinho – um delito de resultado concreto – do que cruzar uma lombada eletrônica a 50 km por hora sem risco a ninguém – uma infração administrativa sem resultado.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 25/08/2004.
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D A I A N E

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Errei porque errei... um pouco de nervosismo... eu sei fazer tudo... no treino deu certo aqui errei, eu errei, foi só isto... eu não estou triste por não subir ao pódio, mas porque eu errei ali...

Nenhuma desculpa esfarrapada, nenhum redirecionamento de responsabilidade, embora a repórter da Rede Globo tentasse, de todas as formas, arrancar uma resposta padrão, recheada dos chavões que geralmente os perdedores avocam para justificar seus erros. Afastou a qualificação de semideusa que lhe quiseram impingir. Apesar de toda a cobrança, demonstrou ter discernimento suficiente para saber que não é devedora.

Também não é uma perdedora – e agora sou eu que me permito utilizar lugares comuns – porque já comprovou que o que não conseguiu fazer ontem já o fez com precisão em outras ocasiões.

Venceu quem arriscou menos e por isto errou menos. Daiane arriscou mais, com dois movimentos que ela criou, de elevada complexidade, e errou mais.

Mas ela sabe e sabe que sabe. Isto, em termos, é o que importa. É claro: uma medalha olímpica é um empurrão para frente, a consagração, a possibilidade de ganhos financeiros que certamente a tranqüilizariam quanto ao futuro e a retirariam mesmo do nosso Jardim Urubatã – ela mora aqui, não sei se vocês sabem, embora treine em Curitiba.

O que falta aos nossos atletas solistas não é treinamento físico. É uma assistência psicológica mais eficiente e personalizada. Percebe-se uma tensão invencível estampada no rosto de cada um, quando focalizados em close no momento da prova. No semblante dos concorrentes estrangeiros isto não aparece com tanta evidência: demonstram mais segurança e os traços do rosto influenciam no ânimo. Também um apoio oficial mais efetivo. Só telefonar depois não adianta.

Foi por causa do joelho? O que você sentiu? Você está triste? – tentei imaginar qual seria a reação da repórter se ela respondesse que estava alegre.

Sua mãe te ama – a repórter repetiu a assertiva diversas vezes tentando arrancar alguma lágrima. Mas ela se manteve firme. Não chorou.

Sua mãe está dizendo que você já é uma vencedora, uma guerreira, ela está muito emocionada, ela diz que te ama – e nada!

A televisão não gosta de reações autênticas. A repórter ficou mais desconcertada com a falta de lágrimas do que a Daiane por não ter conseguido medalha.

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 24/08/2004.
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CIRCO NO HAITI

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Em 1970, tempo da Ditadura, criticou-se o General Médici por pretender colher dividendos em virtude da vitória da seleção brasileira na Copa do México.

Antes, nas eliminatórias, ele insinuara que o Dadá Maravilha devesse ser convocado e o técnico, João Saldanha, respondeu à altura: “Eu não dou palpite na escalação do Ministério dele e ele não escala a seleção que eu comando”. Mais ou menos isto.

Foi um ato de coragem. Embora eu só tivesse 18 anos e vivesse nos fundões de Santa Catarina, já conseguia percebê-lo.

Sempre se criticou, de forma velada mas firme, como possível naqueles tempos nublados, os governantes que se aproveitavam de feitos esportivos para lucrar politiqueiramente.

Agora o presidente Lula levou a seleção para o Haiti com fins declaradamente políticos e ninguém critica. Ao contrário, todo mundo aplaude e acha bonito porque levou alegria ao povo de lá, que vive na extrema pobreza! Não deixa de ter sua lógica. Futebol, como vemos aqui, mata a fome.

Vi, ontem, na ESPN, o Robert Scheidt, que conquistou a primeira medalha de ouro nas Olimpíadas para o Brasil, falando por telefone com o presidente. Foi algo demagógico e oportunista.

Pior: o Parreira não vai convocar alguns jogadores para o próximo jogo da seleção como castigo porque não se esforçaram para se liberar de seus clubes, na Europa, para participar da pantomima no Haiti.

Quer dizer: a Ditadura não puniu o João Saldanha (que não merecia punição mesmo) e a Democracia pune aqueles que, talvez até por força contratual, não participaram de um ato político-eleitoreiro e que também não merecem punição. Ou merecem?

Não tenho saudades da Ditadura. Paguei a ela, mais tarde, meu tributo, através de telefonemas anônimos e ameaçadores que recebi quando, já advogado e na oposição, lutei para a realização do sonho de um velho amigo de dotar Taió de uma rádio. Fui, nos limites da minha desimportância, um perseguido político. Mas não pretendo fazer jus a nenhuma indenização oportunista.

Além disto ajudei a fundar, em Taió, o diretório de um partido de oposição de vida efêmera, o PP (depois incorporado ao PMDB), liderado em Santa Catarina pelo então deputado João Linhares. E se fosse reprovado no concurso para Juiz ia ser candidato a vice-prefeito na chapa do PMDB – naquele tempo um partido confiável.

Se tivesse seguido a carreira política talvez hoje entendesse essas contradições ininteligíveis...
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 23/08/2004.
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quarta-feira, 25 de novembro de 2009

EU E O MEU FANTASMA

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Caminho pelas noites do mundo
à procura de fantasmas
e nunca encontrei algum:
apenas estrelas e luzes de néon
– fogo fátuo modernoso –,
bêbados trôpegos e mendigos nas calçadas.

Percorro os caminhos das formigas
do meu jardim
à procura de duendes
e só encontro flores.
Algumas belas e viçosas,
outras corroídas e murchas.

Pesquiso meu passado
em busca de um Napoleão
mas nem sei se já vivi
mesmo nesta vida.

Não me lembro
algo que valha à pena.

Não sei porque sou tão comum.
Meu único fantasma sou eu.
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Publicado em Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 22/08/2004.
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E S P U M O S O

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Os pequenos acasos da vida são facilmente ultrapassáveis. Mas, e quando se trata de algo mais importante e duradouro? Então um certo temor, absolutamente explicável, toma conta de nossa mente ante a perspectiva do desconhecido. Com Espumoso foi assim. Eu participava de um encontro de juízes em Santo Ângelo quando o desembargador Marco Aurélio, recém-chegado da Capital, informou da minha promoção para Espumoso. Espumoso? Nunca tinha ouvido falar. Sou de Taió, interior de Santa Catarina, e residia apenas há um ano e pouco no Rio Grande do Sul. Vivia debruçado sobre processos numa Iraí há muito sem juiz e não fora possível aprimorar conhecimentos geográficos. Por isto ignorava a localização de Espumoso. Não faz mal. Logo descobri que lá também não sabiam onde ficava Taió... Nesse lugar desconhecido geográfica e toponimicamente eu teria que viver, com a família, até a promoção seguinte... A primeira satisfação foi na chegada. Fomos almoçar na churrascaria do Purudo e a mulher dele, uma senhora muito simpática, me tratou de “moço”. Agradeci, envaidecido. Comecei a simpatizar com a cidade. O acaso, às vezes, é mais carinhoso que uma escolha mais elaborada. Permaneci pouco tempo na Comarca e notei entre os advogados uma lealdade exemplar. Em Iraí havia três ou quatro e eles se desentendiam mais do que gato e cachorro (no tempo em que gatos e cachorros eram inimigos). Em Espumoso havia nove ou dez e eram leais entre si e com terceiros. No aniversário de um ano da filha de um deles quase todos compareceram. Em Iraí não era possível convidar três, porque ficariam um de costas para o outro. Prova dessa união ocorreu num júri. O Defensor Dativo descobriu que sua mulher era parente de uma das vítimas e estava impedido de atuar. Isto uma semana antes da data marcada. Contatei o Dr. Marquese, representante da OAB na Comarca, expondo o problema. Não nesses termos, mas me mandou ir dormir que dariam um jeito. Desentocaram de sua merecida aposentadoria o decano dos advogados da Comarca, Dr. Getúlio, então mais dedicado à sua fazenda do que às lides forenses, e que fora um dos melhores oradores do Tribunal do Júri. E coagiram o Dr. Valadares, um advogado de voz forte e presença marcante que para estas coisas, e para jogar futebol, apreciava muito ser coagido. O réu, que numa briga no interior havia matado dois e ferido outros dois, nunca poderia imaginar que fosse tão qualificadamente defendido... Acima, parte da Av. Ângelo Macalós. Eu contratei a peso de ouro um fotógrafo de lá para tirar fotos. Ele mandou várias. Mas só deu para aproveitar essa e outra que estou postando no Espelho sem Aço. A aqui publicada é fruto de puxa-saquismo: o prédio que aparece à direita, na esquina, naquele tempo abrigava o Fórum, e ele quis me agradar com essa lembrança. Ele é um verdadeiro gênio: não resiste a uma garrafa, desde que contenha cerveja, e certamente entrou em alguma antes de tirá-las. Por isto, as demais saíram completamente tortas ou desfocadas e uma parece que está de cabeça para baixo. O pior é que paguei adiantado! Antes que me esqueça: meu filho, o único gaúcho original da família, nasceu em Espumoso.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 20/08/2004.
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terça-feira, 24 de novembro de 2009

UMA RECAÍDA "BUENA"

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Eu havia feito a mim mesmo a promessa de não mais criticar locutores esportivos. Depois que falei do Galvão Bueno, esses dias, assisti parte do jogo de vôlei masculino entre Brasil e Itália narrada pelo Datena e foi muito pior. Por isto a minha conformada decisão.

Mas não há como resistir. Dia 18, no revezamento 4 x 200, da natação feminina, quando a Joana Maranhão estava em último lugar, após elogiar a nossa equipe e seu esforço, o Galvão tascou: “Tá certo que estão brigando ali pela última posição”.

Meu filho e eu trocamos um olhar de cúmplice ironia mas não dissemos nada. Estou ficando muito tolerante e isto é ruim. Acho que é por causa da minha lombalgia.

Mas, pensando melhor, aí a centelha de uma idéia brilhante para uma nova modalidade olímpica.

Por exemplo: uma vagarida de bicicleta em que o vencedor fosse o último colocado. Vagarida é um neologismo que acabo de criar, como antônimo de corrida. Desculpem, mas não encontrei algo melhor. Estou receptivo a sugestões.

Claro, há necessidade de algumas regras básicas: dada a largada, o ciclista não poderia colocar qualquer dos pés no chão, pena de ser desclassificado. Nem retornar nem parar equilibrando-se: teria que ir para frente, em linha reta, numa raia de uns, digamos, no máximo 20 metros, para a prova não durar uma eternidade. Devagar e sempre.

O último a chegar conquistaria a medalha de ouro.

Então seria absolutamente possível “brigar pela última posição”.

Seria algo tão empolgante que a Rede Globo logo adquiriria direitos exclusivos de transmissão. Ela já faz isto com a Fórmula 1, muito menos emocionante! O Galvão, evidentemente, teria que ser o narrador...

Sem contar que estar-se-ia colaborando benevolentemente para a consagração do sábio preceito evangélico de que “os últimos serão os primeiros”. Até que enfim, em alguma coisa!
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 19/08/2004.
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CONTRIBUIÇÃO DOS INATIVOS

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Sempre pautei meus julgamentos pela lógica.

Estudava o conteúdo processual, definia qual o caminho que a prova, a lei e, principalmente, a minha consciência apontavam e então proferia a decisão.

Consultei sempre Doutrina e Jurisprudência como reforço à minha tese e não poucas vezes julguei contra o entendimento dominante.

Não vou, agora, criticar a decisão do STF que julgou constitucional a contribuição previdenciária dos inativos porque não disponho dos votos dos senhores ministros e de sua motivação. Nem vou tê-los tão logo. A publicação oficial sempre demora um pouco.

Já abordei o assunto aqui, há alguns dias.

Em princípio me parece ilógico e injusto que alguém que sempre contribuiu – é o meu caso, e por isto na análise da matéria minha cautela haverá que ser redobrada – com 11% dos seus vencimentos integrais para a previdência do Estado, exatamente para obter aposentaria, tenha que continuar a contribuir depois de aposentado...

Mais do que isto: por uma jogada legislativa que instituiu uma parcela autônoma (fundo de assistência à saúde), antes incluída naquele percentual (11%), a minha contribuição passa, agora que sou aposentado, para algo acima de 14%... Ou seja: a minha contribuição é maior como aposentado do que era quando estava na ativa...

Vou me reservar para dar opinião mais aprofundada à vista dos votos, mais tarde. Se valer à pena. Porque neste país tudo se resolve de acordo com o desejo dos poderosos, mesmo que não seja o mais lógico nem o mais justo.

Poderosos, para mim, são todos aqueles que, direta ou indiretamente, detêm o poder.

Aos outros, que não são poderosos nem seus fantoches, só resta o Jus Sperniandi...
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 18/08/2004.
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CONFITEOR

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Quem lê o meu blog, e sei de alguns que o lêem, deve imaginar que sou um ser doméstico, comedido, fiel, tão pudico que nem faz amor totalmente pelado e que, antes de dormir, se ajoelha no lado da cama e reza contritamente um pai-nosso e três ave-marias. Geralmente o blog reflete a personalidade do blogueiro e o meu é bem comportado.

Os pataços que eventualmente distribuo são de natureza política e cívica e isto não é pecado; é de um dever ditado pela indignação ética e sempre foram até comedidos. Mas em termos de respeito ao ser humano nada há em desabono de sua conduta.

No entanto, para o bem de minha consciência, devo fazer uma confissão estarrecedora: eu tenho uma amante.

Não vou revelar seu nome correto para evitar açular-lhe sentimentos de vingança. Vou chamá-la de Átria Fibrilini. Não significa que seja italiana. Poderia ser Fibrilovski, ou Fibrilarsson, ou Fibrilman. Não tem uma nacionalidade definida, é universal e dotada um certo dom de ubiqüidade porque já me encontrou em lugares tão diversos quanto Alegrete, Salvador, Vila Velha, Itapema, Joinville, Bragança Paulista, Florianópolis...

A Átria é especialista em me fazer sofrer. E não consigo me livrar dela, e de suas visitas periódicas, de jeito nenhum.

Ela não marca hora nem para chegar nem para sair. Já permaneceu aqui em casa por quinze dias seguidos, desapareceu por uma semana, depois voltou e ficou mais dez dias. Quando viajei para Santa Catarina, em julho, ela não respeitou nem minha filha e foi junto. Depois de uns dois dias de intenso frio na Praia do Grant resolveu buscar um aconchego mais quente.

Completamente despudorada, chega de mansinho, geralmente de madrugada, se intromete entre a Ieda e eu e toma conta do meu coração. Exatamente do meu coração! Não podia ser mais cruel e possessiva. Sádica, fica dando chicotaços no meu peito. Sinto-me desequilibrado, fraco e desgastado e completamente dominado antes de se passar pelo menos um minuto.

Que ela não me respeite tudo bem. Mas e a Ieda? A Ieda não tem culpa das minhas fraquezas. Mas é quem acaba sofrendo mais. É cinicamente desrespeitada.

Eu, é claro, faço o que todo homem nessa hora tem que fazer. Não discuto, não digo nada, fico exemplarmente comportado, na exata medida em que um homem com sua amante na frente da mulher pode ser comportado. Procuro me mexer o menos possível. Absolutamente passivo e inerte.

A Ieda, nessas ocasiões, ainda tem que satisfazer as vontades impudentemente sádicas da Fibrilini. Às vezes nem percebe que ela está na cama conosco e eu a acordo, tocando no seu braço, e digo apenas, baixinho:

– A Fibrilini taí!

Diante da Ieda trato-a pelo sobrenome para parecer mais impessoal.

A Ieda já sabe o que fazer. Levanta-se conformada e vai preparar um coquetel de quinidine, digoxina e propranolol.

Cerca meia hora depois meu coração vai se acalmando, mas segue descompassado. Para voltar ao ritmo sinusal vai depender da vontade da Fibrilini. Às vezes é questão de horas, às vezes ela só sai depois de uns dois ou três dias, ou mais.

Não diz adeus nem até logo. Mas depois de algum tempo, volta.

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 17/08/2004.
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A MOROSIDADE DA JUSTIÇA

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UMA VISÃO DE 1991
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Este artigo foi publicado no jornal Zero Hora de 19/11/1991 e refletia minha posição diante de constantes críticas na imprensa, a maioria de autoridades ligadas à área judiciária, das quais discordava por considerá-las essencialmente superficiais e simplistas. Mantenho, na linha mestra, o mesmo pensamento, embora a "datação" tenha prejudicado, um pouco, sua atualidade:
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"Em edições recentes, a imprensa local estampou matérias sobre a prestação jurisdicional no Estado. De um modo geral, responsabiliza-se o Direito e a Justiça de atuarem contra os pobres, uma vez que apenas são punidos os denominados “ladrões de galinha”, os negros e miseráveis de escassa instrução e beirando à oligofrenia. Aproveita-se o “gancho” para atribuir à morosidade da Justiça a causa da criminalidade.

As afirmações, mais do que resultado de um processo científico de investigação e pesquisa, emergem da comodidade que os críticos costumam vestir quando tratam de assuntos da Justiça, na exata presciência que têm de que o Judiciário dificilmente se manifesta a respeito, que os Juízes não respondem às críticas que lhe são feitas e que, em última análise, não lhes será necessário prestar contas, pois é livre a expressão de idéias e pensamentos.

Cabem algumas considerações. Não se pune o pobre porque é pobre, mas por ser culpado. A condenação é resultado da análise da prova conseguida em Juízo. A sentença é o ato mais elevado da prestação da Justiça, sujeita a exame nos tribunais hierarquicamente superiores, e espelha sempre o convencimento do Juiz: caso a caso, fato a fato e réu a réu.

O raio de ação de uma sentença é limitado. Circunscreve-se ao processo e réus atingidos em sua prolação. Por isto a acusação genérica que se faz, de que apenas os fracos e oprimidos são condenados, peca pela base. Uma sentença não é uma regra de obediência geral e não incide sobre grupos sociais, mas sobre pessoas individualmente consideradas.

Não consta que os advogados criminalistas do Estado estejam passando dificuldades maiores do que as que passam a maioria da população brasileira, nem que estejam abandonando a profissão por falta de serviço. Sinal de que os “ricos“ também são processados. Não serão condenados por serem ricos, mas se forem culpados.

Diz-se que os “ricos têm acesso a melhores advogados e que já na fase do inquérito podem contratá-los, beneficiando-se dos recursos e das provas”. Não vejo como a Justiça possa tomar abastados os miseráveis, para que tenham acesso às mesmas condições. Os advogados não são contratados pelos pobres porque estes não têm dinheiro para pagá-los e isto, por mais cruel que possa parecer a assertiva, é uma questão financeira, e não de Direito ou de Justiça. Ou melhor, é até uma questão de Justiça, mas de Justiça Social, que não encontra solução nas barras dos Tribunais e sim numa política econômico-financeira justa e distributiva.

Pecado maior é atribuir-se a causa da criminalidade à morosidade da Justiça. Não que esta seja um exemplo de rapidez, mas não receio afirmar que o Judiciário faz o máximo que pode com o instrumental que lhe é posto à disposição. Seria bom se a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado divulgasse os boletins estatísticos sobre fluxo dos processos, principalmente na área criminal, objeto maior desta manifestação, para que alguns mitos em torno do assunto possam ser desfeitos.

Recentemente o senhor Geraldo Gama, secretário da Justiça e Cidadania (a Secretaria, ao contrário do que o nome sugere, não é vinculada ao Poder Judiciário), fez, pela imprensa, assertiva relevante no sentido de que haveria uma verdadeira explosão carcerária se fossem cumpridos os 22 mil Mandados de Prisão expedidos pela Justiça. Sinal de que esta, mesmo morosa, está alguns passos adiante da evolução do sistema carcerário estadual (a administração da infra-estrutura carcerária também não é atribuição do Poder Judiciário).

As causas verdadeiras da criminalidade residem no desequilíbrio social existente e devem ser buscadas e analisadas através do processo sociológico, e não do processo criminaI. Este, que pode até servir como referencial, é conseqüência e não causa da injustiça social. Por isto, dizer que o crime existe porque a Justiça é morosa serve apenas para desviar a atenção dos fracos e oprimidos. Estes mais uma vez atribuem sua desgraça a fatores alheios e remotos e se esquecem de buscar as causas reais. Os poderosos agradecem”
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 17/08/2004.
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O BARCO

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O BARCO - INFERNO NO MAR
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Você tem que se preparar física e psicologicamente para ver este filme, pelo menos na versão do diretor Wolfgang Petersen, que dura cerca de 209 minutos.

É um filme denso mas indispensável para quem aprecia a sétima arte. Isto na modesta opinião de um mero diletante. Os filmes e músicas podem ser bons para alguns e indiferentes ou ruins para outros. Depende da variável sensibilidade de cada pessoa.

Não é daqueles que você assiste e sai do cinema aliviado e cantarolando. É arte e a arte pode fazer sofrer! Traz à tona – expressão adequada por tratar de fatos passados, a maior parte do tempo, no fundo do mar – a tensão de tripulantes de um submarino alemão U-96 numa arriscada missão de patrulha na II Guerra. Enfoca a superação do homem diante de problemas cruciais cuja solução, muitas vezes, depende de criatividade e improvisação.

Para respeitar o realismo buscado pelo Diretor, deveria ser visto num armazém da CEASA, repleto de homens suando, sem banho há dois ou três dias: é entre frutas, legumes e alguns enlatados que circulam, num ambiente apertado e sombrio, os tripulantes. Só isto é que seria capaz de aprimorar, ainda mais, o perfeccionismo do Diretor que realizou as filmagens internas na réplica de um submarino com as dimensões do original, exatamente para marcar o realismo. O fotógrafo usou lentes especiais e câmeras de mão em algumas cenas.

Percebe-se que, com a evolução dos fatos, a rígida disciplina germânica aos poucos vai afrouxando e os personagens se descuidando, relevando a hierarquia, decaindo psicologicamente para chegar quase ao desespero nas situações de maior perigo.

Na tentativa de fugir aos ataques da Marinha Britânica, em determinado momento, o submarino é obrigado a mergulhar mais fundo do que sua estrutura teoricamente suportaria. Os efeitos sonoros de parafusos estourando e água esguichando são convincentemente realistas nessa edição remasterizada e bem feita.

Apesar dos percalços, sustos e temores, o submarino consegue cumprir a missão e retorna festivamente aos estaleiros, na França dominada. O final é inesperado e, de certa forma, surrealista, considerando-se o que aconteceu antes.

Por este filme o diretor alemão foi atraído a Hollywood onde vem realizando alguns bons trabalhos, entre os quais Tróia, seu último sucesso. Mas nenhum deles se compara à grandiosidade de O Barco, embora esta grandiosidade, em grande parte, se esprema e se exprima no interior de um acanhado submarino.

O filme recebeu seis indicações para o Oscar e é semi-autobiográfico, baseado no livro do ex-repórter de guerra Lothar-Günther Buchheim que participou de missões do gênero e figura como personagem.

Uma curiosidade: a cantora francesa Rita Cadillac faz uma ponta nos comemorativos que antecedem a missão. Nada tem a ver, evidentemente, com a nossa protuberante (não mais tanto) ex-chacrete.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 16/08/2004.
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segunda-feira, 23 de novembro de 2009

NOTAS DE DOMINGO

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NOTINHAS CHATAS PERFEITAMENTE ADEQUADAS AO DOMINGO
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Ontem, na abertura das Olimpíadas, enquanto um DJ famoso despejava um rock durante a cerimônia, o Galvão Bueno iniciou um arremedo de crítica. Depois percebeu o ato falho e, para não ficar mal com os seus amigos da Rede Globo que apreciam rock, lançou esta pérola: “Evidentemente que toda música é boa, desde que seja de boa qualidade”.

Hoje, após a corrida de Fórmula 1 a Rede Globo passou a transmitir, já pela metade, o jogo de vôlei do Brasil contra a Polônia e lá estava o Galvão transmitindo. Mais um ato falho: “Está na hora de você se ligar na Globo”.

Deixou explícito que quando não é ele quem transmite as corridas de Fórmula 1 você não precisa se ligar na Globo. Ou sou eu que estou muito implicante?

O Galvão Bueno é tão chato, tão repetitivo, tão chavonesco, que para suportar só obrigado. Aliás, ele é mais torcedor do que narrador, sempre preocupado em emocionar, emocionar e emocionar. Leva seu mister tão a sério que torce até nos replays. Sei que a posição dele é incômoda. Não é fácil manter a audiência no gogó. Acho que ele deveria, mesmo, ganhar um adicional por insalubridade técnica.

Nós, pelo menos, podemos trocar de canal. Mas eu não pude fazer isto hoje porque sentara confortavelmente na minha poltrona predileta, o notebook nos joelhos, e esquecera o controle remoto a longínquos dois metros.

Tive um amigo que dizia que uma das coisas mais chatas para ele era sentar numa poltrona para ver o Flamengo jogar – nem todos meus amigos são perfeitos –, acender um cigarro e verificar que esquecera o cinzeiro. Ele detestava levantar para ir buscá-lo.

Ainda bem que eu não fumo!

Ele, coitado, morreu de câncer. Na coluna.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 15/08/2004.
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AGRADECIMENTOS

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Vou me inspirar no cavalheirismo do Carlos Damião e postar agradecimentos por comentários recebidos. Não, propriamente, no blog. Quanto a estes procuro, na medida do possível, quando sei o que dizer, ir exercendo o direito de resposta no campo apropriado.

Recebi quatro e-mails em razão da Carta aos Amigos Catarinas publicada aqui e no jornal A Notícia.

Um foi do Renato, da minha turma de Direito. Passou-me informações sobre alguns colegas e apreciou a carta que, segundo ele, “deu nova visão à forma com que nos conduzimos – não só no trânsito, mas, certamente, em nossa conduta“.


Outro foi da Rose, que passou por maus momentos quando um motorista mal-educado, impaciente, buzinante, lhe fez gestos maliciosos, no mesmo trecho de meus infortúnios:

“Quando passou por mim, (...) estavam rindo... Do que será??? Da minha segurança no volante? Da minha são simplória Parati? Ou da imprudência dele de tanto stress? Certamente não era dele... Bom isso tudo escrevi, pq li sua matéria no A Notícia dessa 2ª feira e achei excepcional o que li. Todos os motoristas deveriam ler...”

O Dante Bonin, jornalista, reproduziu a carta no semanário Vale Oeste, de Taió (e vocês imaginavam que lá não tem jornal!), e pensa “que um artigo como este deveria ser reproduzido aos milhares e distribuído nas escolas, nas cidades, nos postos das Polícias Estadual e Federal e assim por diante”.

Ficou de me enviar um exemplar. Estou ansioso. Vai acender reminiscências...

Finalmente o de uma jovem, também de Taió. Não lembro de conhecê-la e certamente quando saí de lá ela nem tinha nascido, era ainda uma estrelinha na via-láctea:

“Por coincidência neste domingo perdi um amigo de 20 anos em um acidente na BR 470. (...) Eu me chamo Priscila e muitas vezes passo com meus pais na BR 101 onde é duplicada, e não é só com você que olham com desprezo, talvez ao olharem a placa do nosso carro, que é de Taió, pensem que realmente somos da roça! Escrevi realmente para parabenizar pelo que o senhor escreveu, espero que outros jovens tenham lido seu texto. Um grande abraço carinhoso. Priscila”.

Esse tipo de manifestação conforta quem escreve e indica que, ao menos em parte, ele tem razão. Muito obrigado.

Frustrante a constatação da Priscila. Talvez a idéia de colar adesivos dizendo que somos de Taió seja inútil. Vou pintar o meu carro com cores semelhantes às das viaturas da Polícia Rodoviária Federal.

Com certeza vai dar certo. Esses motoristas apressadinhos são, geralmente, muito corajosos, mas se acovardam com grandeza quando vêem uma viatura da PRF.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 14/08/2004.
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NÓS PODEMOS MUDAR O MUNDO. SERÁ?

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Movimento Nacional pela Cidadania e Solidariedade

O mundo não anda mesmo muito bem. Todo mundo sabe, todo mundo fala. Mas o que é que nós podemos fazer para mudar isso? Tem que começar de algum jeito. E já começou, com os 8 jeitos de Mudar o Mundo, um compromisso da ONU e seus países-membros.

Inclusive o Brasil. Acredite. Juntos – governos, empresas, organizações sociais, cidadão –, nós podemos mudar a nossa rua, a nossa comunidade, a nossa cidade, o nosso pais. Eu posso, você pode. Nós podemos mudar o mundo.

1) ACABAR COM A FOME E A MISÉRIA

2) EDUCAÇÃO BÁSICA DE QUALIDADE PARA TODOS

3) IGUALDADE ENTRE SEXOS E VALORIZAÇÃO DA MULHER

4) REDUZIR A MORTALIDADE INFANTIL

5) MELHORAR A SAÚDE DAS GESTANTES

6) COMBATER A AIDS, A MALÁRIA E OUTRAS DOENÇAS

7) QUALIDADE DE VIDA E RESPEITO AO MEIO AMBIENTE

8) TODO MUNDO TRABALHANDO PELO DESENVOLVIMENTO
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Uma moça muito simpática entregou-me ontem, enquanto abastecia meu carro, um colorido folheto da www.nospodemos.org.br com a mensagem e soluções acima. Acima da minha mumiazinha, evidente. Esta vai por minha conta.

Insisto que não tenho a boa sorte do Cesar Valente: só sofro abordagens do sexo feminino quando o interesse é publicitário e de terceiros, nunca próprio. Esses dias quase atropelei uma dessas meninas, numa esquina. De propósito. O crime seria doloso, mas para quem conhece as artimanhas e os meandros jurídicos seria fácil transformá-lo em culposo e eu pagaria, no máximo, uma cesta básica como pena. Isto considerando a remota possibilidade de ser condenado.

Li o texto e ele me impregnou de bem-estar. Cheguei a respirar fundo; aquele respiro de satisfação e regozijo que parece desintoxicar e afastar maus eflúvios. Pelo menos há alguém tentando fazer alguma coisa! – pensei, embora entre a intenção e a ação exista uma via-láctea de distância.

Levantei os olhos para agradecer mas a moça já estava distribuindo folhetos a outros motoristas. Notei que estava mais sorridente...

Então o impacto. Bem próximo há uma ponte sobre o arroio Dilúvio e sua mureta está coberta de propaganda política. Os postes próximos, idem.

Usam agora aqueles plásticos horríveis porque a lei não permite que as propagandas sejam coladas, apenas dependuradas, perigosamente como a nossa Democracia. Não sei qual é o método pior. O antigo prejudicava o patrimônio público, porque era difícil e custoso o processo de retirada. Os de agora são fáceis de pôr e de tirar, mas numa ventania ou temporal vão ser arrancados, entupir esgotos, atrapalhar o trânsito e sujar o mundo. Alguns dos sarrafos retangulares que os seguram podem ser usados até como armas. Se algum deles algum dia cair na minha cabeça vou entrar com uma ação contra o partido – se sobreviver.

Essa estética triste abalou o meu bem estar. Enquanto aguardava o cartão de crédito, fiquei conferindo os nomes dos candidatos.

Os mesmos de sempre: os que perderam eleição para o legislativo e agora lutam para se aboletar no Executivo. Outros, os perdedores contumazes. Alguns que ocuparam cargos anteriormente, viveram uns tempos no ostracismo, e agora ressuscitam como múmias que periodicamente abandonam seus sarcófagos para nos atormentar. Raríssimos nomes novos. As raposas de sempre! – pensei de novo.

Olhei o folheto. Será que podemos mudar o mundo se não conseguimos mudar nem os candidatos de uma eleição para outra? Por que será que são sempre os mesmos, em todas as eleições? Inclusive nas federais e estaduais? Com essa gente poderemos mudar realmente alguma coisa? Estão há tanto tempo borboleteando na órbita do poder e nada muda! Mesmo que a gente queira, será que não vão nos estorvar? Se mudarmos para melhor, será por causa deles ou apesar deles? – estava muito pensador ontem!

E há gente no Governo que pretende instituir eleições no Judiciário. Meu Deus! Já houve manifestação pública dessa idéia. Isto corresponde ao lançamento da semente. Agora falta adubar e nisto são doutorados. Não duvido que germine e frutifique. A política do conchavo exercida por FHC foi primorosamente aperfeiçoada por Zé Dirceu & Cia.

Quando isto ocorrer retirar-me-ei discreta e definitivamente para o meu sarcófago.

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,

em 12/08/2004.

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CONSIDERAÇÕES TELEVISIVAS

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O frio daqueles dias no litoral me meteu em contato meio forçado com a televisão. Mas a recepção, na praia do Grant, estava restrita a dois canais, num dos quais apenas se ouvia o som como que ecoando no interior de uma lata velha.

Periodicamente sou tomado por inexplicáveis acessos de generosidade. Desta vez adquiri uma antena parabólica e presenteei minha sogra. Juro que não fiz por mal. Eu não tenho nada contra ela, muito pelo contrário: a estimo muito e garanto que se todas as sogras fossem iguais (ou parecidas) haveria menos casais em crise. Por isto não seria capaz de lhe fazer ou desejar algum mal ou desfeita. Tanto que, agora, ela está passando uns tempos conosco, em Porto Alegre. Naturalmente que mais por causa da filha do que do genro.

Sinto-me protegido quando estamos sob o mesmo teto. Principalmente contra raios. Sou obrigado a abrir imensos parêntesis e jurar que se trata, obviamente, de uma brincadeira porque tenho dez cunhados, seis do sexo masculino, alguns verdadeiramente furiosos e grandalhões. Um deles já admitiu, num comentário aqui no blog, que foi abduzido e não tenho idéia dos poderes maléficos que essa abdução possa lhe ter conferido. Embora não acredite em discos voadores, tenho medo dos que viajam neles.

Mas enquanto eu ficava ao notebook manipulava esse invento maravilhoso que é o... controle remoto. Melhor que a televisão. Tenho um outro texto, mais antigo, com uma análise profundíssima a respeito, que publicarei em outra ocasião.

Nas repassagens pelos 26 canais disponíveis encontrei receitas culinárias de um minuto a duas horas, canais de venda, os inevitáveis canais abertos, e outros variados (nos dois sentidos). Muitos religiosos, mas sobre estes me reservo o direito de nada dizer. Minha sogra é devota da Rede Vida.

Há tanto programa de entrevistas com tanto entrevistado dizendo tantas certezas, num tom de voz convincente e definitivo, que eu ficava com pena de trocar de canal. Tive, muitas vezes, a sensação imediata de que o mundo estava salvo e que todos os nossos problemas, finalmente, resolvidos. Depois, com a direção crítica um pouco mais pensada, chegava à conclusão de sempre: pura futilidade e pretensão. A verdade tem tantos donos que não pode ser verdade!

Os programas infantis parecem se dirigir à finalidade específica de imbecilizar crianças. Mesmo esses ratimbuns da vida não achei tão educativos como apregoam. Em todos os casos, sou muito criança e deixo essa análise para os adultos. São estes que sempre decidem o que é melhor para os infantes.

Há os canais da Câmara e do Senado que transmitem bizarrices. Principalmente votações e CPIs. As inquirições de testemunhas são conduzidas de uma forma tão enviesada que, para alguém como eu, que passou grande parte da vida tentando ser o mais objetivo possível na técnica inquiritória da busca da verdade, tornam-se um tormento. Os inquiridores depõem mais que as testemunhas...

Os parlamentares são dotados de uma compulsão invencível de aparecer e pensam que são obrigados a perguntar à testemunha sempre. Mesmo sobre o que já está meridianamente esclarecido. Eu ficava inquieto e coçando. Gastei três tubos de Omcilon com as esfoladuras. Tinha ganas de ir lá e ensinar como é que se faz perguntas objetivas para obter respostas claras. Mas certamente teria que passar por uma sabatina e desisti. Se os juizes usassem das mesmas técnicas nas suas inquirições então sim vocês iriam ver o que é morosidade da Justiça.

Descobri algo interessante: os canais da Câmara e do Senado não veiculam os programas eleitorais gratuitos que os canais abertos são obrigados a transmitir...

Vamos ser justos. No do Senado há um programa excelente, de música erudita, conduzido pelo Arthur da Távola, e pude me deleitar um pouco.

E há os canais rurais. Gostei muito do Canal do Boi. Apenas lamento não tê-lo conhecido antes. Em casa tenho a DirecTV, mas nesta ele é pago e nunca quis assiná-lo.

Se o fizesse há algum tempo teria evitado uma tragédia. Sou proprietário de uma fazendola em Passo Manso, interior de Taió, e há uns dois meses perdi metade do meu rebanho por uma doença desconhecida. Agora tenho que me contentar com a única vaquinha que restou e dar graças a Deus por não ser um boi.

Bois não dão cria nem emprenham vacas – esse foi outro útil ensinamento do Canal do Boi.
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O que restou do meu rebanho.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 11/08/2004.
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CONTROLE EXTERNO NA IMPRENSA?

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Era previsível. Aos poucos vai mostrando ao que veio a nova tendência democrática ancorada no Planalto.

O Controle Externo do Judiciário foi fácil. Grande parte da própria imprensa, agora atacada no mesmo ponto nevrálgico, foi a favor. O apoio tornou as coisas mais fáceis para o Governo.

Mais difícil é a nova investida: instituir um órgão, ou uma lei, ou um conselhão, que discipline a conduta dos jornalistas. Estes detêm o poder da comunicação, têm acesso ao público com a facilidade própria da função e certamente vão conseguir evitar um mal maior.

A Associação dos Magistrados Brasileiros se manifestou contra esse novo beliscão autoritário. Os juízes são sempre contra as arbitrariedades.

Em
um artigo que escrevi quando a vítima era o Judiciário, publicado no Observatório da Imprensa e no Jus Navigandi, disse que

“Estamos diante de um governo que mete o nariz em tudo porque integra sua linha ideológica a idéia fixa de que está tudo errado apenas porque sua base programática é diversa. Intromete-se na vida dos cidadãos como se fosse dono da verdade e detivesse o insano (sim, insano) poder de compreender tudo e tudo com profundidade”.

Continuo a entender que é isto mesmo. Os governantes avocam o poder dos sábios e iluminados transcendentais, como se lhe lhes inspirasse a sarça ardente que ditou a Moisés os Dez Mandamentos.

Toda proibição traz ínsita um ranço de autoritarismo. É na castração do livre arbítrio dos outros que começa a arbitrariedade das autoridades constituídas.

Aqueles que detêm o poder de vedar condutas ou de impô-las o justificam com a preponderância do interesse público sobre o individual. Mas quando confundem uns e outros, principalmente quando ignoram ou desqualificam direitos privados, o Estado estende seus tentáculos além do que lhe é efetivamente pertinente e começa a implantação do caos. A proibição é irmã do arbítrio e de proibição em proibição se constrói uma ditadura, ainda que vestida de Democracia.

A pior das ditaduras é aquela implantada insidiosamente, através de medidas cabotinamente fundamentadas que impõem conceitos, exigências e punições difíceis de revogar depois porque emergentes de aparente legalidade original. O poder é detido pelos poderosos e estes têm um raio de ação bem maior do que nos é dado entender, lutam naturalmente por seus interesses e fazem tudo a seu alcance para nele se manter. Quanto mais se enfraquece o cidadão, mais se fortalece o Estado e por conseqüência os poderosos.

Aí o perigo. Estão nos desarmando e amordaçando. Aos poucos. E estamos felizes. Isto os incentiva a ir em frente, cada vez mais. O próximo passo, se pegar essa infeliz idéia, será podar a Internet, que vai ser o único canal de comunicação livre do bedelho estatal.

Já deve haver alquimistas, lá em cima, com olhos lúbricos e ares de mentores infalíveis de falsas transcendências, elucubrando, à luz de velas sobre caveiras, composições amargas para impedir a livre manifestação do pensamento pela forma que estou utilizando agora: o blog...

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 10/08/2004.
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"CAUSOS" DA VIDA DE UM JUIZ II

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A TESTEMUNHA EMBRIAGADA


Sempre preferi realizar audiências de manhã. Cabeça mais fresca, as perguntas fluíam mais aguçadas e as engrenagens cerebrais azeitadas permitiam captar eventuais contradições ou mentiras deslavadas mais facilmente.

Certa vez, em Espumoso, num processo crime, um jovem entrou na sala para depor e se jogou na cadeira. Esticou as pernas, deixou cair os braços, espreguiçou-se. Esperei que se compusesse e ele me olhou com os olhos vidrados, a boca com um meio sorriso, babando:

– O senhor está embriagado? – sempre tratei as testemunhas e os próprios réus de senhor ou senhora.

Eu perguntara o óbvio mas ele me olhou surpreso. Estava tão embriagado que certamente supôs que conseguira disfarçar a situação. Coçou a cabeça e quando lhe perguntei pela segunda fez, admitiu.

– O senhor não poderia vir prestar depoimento bêbado...

Então quis bancar o engraçadinho:

– Pois é, vizinho, o seguinte é isso: não tinha água em casa e escovei os dentes com cachaça. Como é pecado jogar cachaça fora aproveitei e tomei uns góls...

Tive ímpetos de subir na mesa, mas não havia o que dizer naquela hora, pois não surtiria o menor efeito. O seu nível de percepção estava completamente obscurecido.

É óbvio que inquirição estava prejudicada. A embriaguez retira o discernimento das pessoas e a imaginação criativa é açulada pelos chamados eflúvios etílicos. A credibilidade é espancada de relho e o depoimento seria nulo.

Dei voz de prisão à testemunha por infração ao artigo 62, da Lei de Contravenções Penais. Lavrei eu mesmo o Auto de Prisão em Flagrante e entreguei a Nota de Culpa. Em se tratando de delito afiançável, já um tanto condoído pela situação, resolvi fixar a fiança em valor baixo, pois se tratava de pessoa pobre.

Nunca considerei o fato de se ter dinheiro para comprar pinga como sinal ostensivo de riqueza. Os ricos compram uísque. Para isto lhe perguntei:

– Quanto dinheiro o senhor tem aí?

Ele abaixou a cabeça, me olhou enviesado e desconfiado, e despejou:

– Por quê? Já tá querendo meter a mão na minha grana também?

Foi a minha vez de baixar a cabeça, desanimado. Nem o defensor que o arrolara conseguiu convencê-lo a dizer quando dinheiro possuía, se é que tinha algum.

Fixei a fiança no mínimo possível. O advogado, Doutor Euclides Luis Marquese, foi quem acabou pagando.

Mas só à noitinha, passado o porre...
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 09/08/2004.
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CARTA AOS CATARINAS II

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O quadro da Ieda nada tem a ver com o assunto. Retrata parte da Praia de Ipanema, aqui de Porto Alegre. Mas vai publicado para contrastar com a árvore morta que ilustrou a matéria do dia 05.
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Postei aqui, no dia 05/08/2004, uma carta aos meus amigos de Santa Catarina sobre a velocidade que alguns condutores imprimem aos seus veículos naquele Estado.

Nenhum deles se comoveu. Ou, pelo menos, ninguém do Estado fez qualquer comentário. E sei de alguns que lêem o blog.

Fica claro que meu objetivo não é que comentem minhas matérias. O importante é que sejam lidas e que aquilo que julgarem aproveitável cale na mente de cada um.

Na edição de A Notícia de hoje a carta foi publicada. Assim, seguramente, muito mais gente vai ler e isto é o mais importante.

Demonstra que o jornal se preocupa com o problema, que é realmente aflitivo, mas, ao que parece, não muito considerado pelas autoridades do meu Estado.

O trágico é que, na seção policial, a primeira notícia destaca: Acidentes matam 12 pessoas em SC.

Só neste fim-de-semana...
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 09/08/2004.
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domingo, 22 de novembro de 2009

O ILUMINADO

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Li, aqui, que o O Iluminado, de Stanley Kubrick foi considerado o filme de terror mais perfeito já realizado, de acordo com uma nova fórmula matemática.

Bem. Não sei se uma fórmula matemática, por mais elaborada que seja, consegue sobrepor-se ao subjetivismo de cada um na mensuração de medos e fobias. Pode ser generalizadamente, mas individualmente óbvio que não.

Mas se trata de um excelente filme mesmo para aqueles que, como eu, não aprecia muito o gênero, mormente quando descai para o lado sobrenatural ou quando os elementos intimidadores são monstros como dinossauros, vampiros ou espíritos malvados.

Nada como o velho Hitchcock e seu suspense escancarado. Esconder-se numa sala escura e assustar crianças é fácil. O difícil é fazê-lo na presença delas, às claras, num salão de aniversário.

Não quero me vangloriar, mas já produzi um enredo em que o consegui. E filmei em Super-8... Quando minha filha completou quatro anos contratei uma pantera cor-de-rosa para animar a criançada.

Foi só ela aparecer e um guri abriu o berreiro e refugiou-se debaixo de uma mesa. O choro contagiou outras crianças e aquela foi a festa de aniversário mais curta que minha filha teve. Quinze minutos depois os convidados tinham debandado e a pantera ficou sentada, num canto, desolada.

O Iluminado é baseado numa obra de Stephen King, de quem nunca li nada. Mas garanto que o filme é superior. O diretor integrava uma minoria capaz realizar um filme melhor do que o romance inspirador. Mas os fãs de King, quando do lançamento, torceram o nariz alegando que o livro havia sido deturpado.

A história é inicialmente singela: um escritor frustrado (Jack Nicholson, numa de suas melhores interpretações) é contratado para manter ativas as caldeiras de um hotel nas Montanhas Rochosas, fechado ao público durante o inverno em razão da intensa precipitação de neve. Acompanham-no a mulher e o filho pequeno. Aproveitaria para escrever um romance há muito projetado.

Mas o isolamento acaba provocando distúrbios mentais imprevisíveis, ou nem tanto, e a paz familiar é quebrada por uma guinada de 180º na conduta do pai que passa a encarar o filho (Danny Lloyd, numa interpretação primorosa e dificílima) como um estorvo...

A mulher, Shelley Duvall, foge completamente ao estereótipo hollywoodiano. Não é nenhuma beldade, o que torna o filme ainda mais natural, sem o glamour artificial das estrelas consagradas (ela foi a Olívia Palito em Popeye).

As locações e paisagens são lindíssimas e valem 50% do filme.

Há cenas assustadoras e vou revelar apenas uma, para não esculhambar a surpresa dos que por acaso se sentirem encorajados a assistir. Não é espalhafatosamente chocante mas atemoriza: a mulher, a certa altura, consegue acidentalmente conferir as centenas de páginas do romance que o marido datilografava (cujo acesso lhe fora negado) e verifica que, em todas, há apenas a repetição constante de uma única frase: “All work and no play makes Jack a dull boy (Muito trabalho e pouca brincadeira fazem de Jack um menino entediado)”. Nas legendas foi traduzida como “Muito siso e pouco riso fazem de Jack um infeliz”.

O final deriva para a paranormalidade. Para o meu gosto, seria melhor um final mais lógico, mas mesmo assim a saída não deixa de ser criativa. Afinal, o roteiro não poderia se afastar do livro-base.

Para quem detesta filmes de terror com citações sobrenaturais o fato de eu ter gostado é indicativo de que é realmente um bom filme. Ou não!

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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 07/08/2004.
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PRECISO ME REORGANIZAR

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Tenho tantos textos atrasados para publicar no meu blog que eles se atropelam e brigam encarniçadamente na minha cabeça para obter a preferência.

Parecem espermatozóides desvairados na louca corrida para fecundar o óvulo. A peleia é de foice e de faca porque o Governo proibiu armas de fogo.

Mas vislumbro, num canto e noutro, alguns armados de revólver. Devem ser bandidos. Os homens de bem já entregaram, ou estão entregando, suas armas nos postos da Polícia Federal.

Por isto vou esperar que se acalmem, se coloquem numa ordem mais diversificada, e entrem num acordo. Meus assuntos estão muito repetitivos.

Nenhum deles vai aparecer aqui hoje.

Vou apenas publicar um quadro da Ieda, que ela ainda não nominou. Quando eu vi, me lembrei da Rapunzel, mas a mente dos artistas é insondável e ela pode querer dizer que é o príncipe...

Ah! O quadro pertence ao tio Moa.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 07/08/2004.
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UM POST RETARDADO

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UM POST RETARDADO - EM AMBOS OS SENTIDOS
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Este texto deveria ter sido postado há uns dias. Foi substituído, na última hora, pelo In dubio pro reo.

A foto acima é da praia do Grant, vista do outro lado, ou seja, do Sul.

Nela há uma estátua pedestre em homenagem a pescadores. Como diria um amigo meu, “um busto de corpo inteiro”. Nos dias chuvosos, como o do domingo em que bati as fotos, as gaivotas se revezam para protegê-la.

Vi uma placa: “Proibido animais na praia”.

Mesmo assim passaram um ou dois senhores, cabelos brancos, literalmente arrastados por cães enormes. Perdoem, mas acho isto ridículo. Não pelos cães, mas por seus donos.

Mas as leis e os regulamentos no Brasil são elaborados mesmo para serem descumpridos.

Há os que o fazem descaradamente e os mais discretos.

Eu, por exemplo, naquele dia, ergui-me solenemente nas patas traseiras, vesti alguma dignidade e fui disfarçado de humano.

E ser humano, hoje em dia, está se tornando cada vez mais difícil.
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 06/08/2004.
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