Autos: PROCESSO CRIME n.º 1.981/90
Autora: JUSTIÇA PÚBLICA
Réu: P. J. S. P.
Juiz Prolator: ILTON CARLOS DELLANDRÉA
Vistos, etc...
1. P. J. S.
P. foi denunciado por infração ao artigo 214, combinado com o artigo 226,
inciso III, do Código Penal, porque no dia 08 de agosto de 1.981, por volta das
17,30 horas, na Av. Ângelo Macalós, nesta cidade, próximo ao depósito da
Brahma, agarrou a vítima C. O. S. e passou a beijá-la.
2. O réu,
interrogado (fls. 28), nega a imputação, afirmando que apenas fizera uma
brincadeira com a vítima, colocando a mão sobre o ombro dela e falando de
namoro. Em Alegações Preliminares, se diz inocente.
3. Foram ouvidas
a vítima e três testemunhas de Defesa. O processo trilhou caminhos demorados e
meandrosos à procura de uma testemunha, J. A. P. O., de cujo depoimento
desistiu o Ministério Público, por não ter sido encontrada.
4. Nada se
requereu na fase do artigo 499 do Código de Processo Penal. Em Alegações
Finais, o Ministério Público opina pela absolvição, por insuficiência de
provas, no que é secundado pela Defesa.
5. Certidão
de Antecedentes a fls. 19, noticiando que o réu já foi processado
anteriormente. Certidão de Nascimento da vítima a fls. 15. Certidão de
Casamento do réu a fl. 24.
6. É O
RELATÓRIO. DECISÃO:
7. “A juventude não quer aprender mais nada, a
ciência está em decadência, o mundo inteiro caminha de cabeça para baixo, cegos
conduzem outros cegos e os fazem precipitar-se nos abismos, os pássaros se
lançam antes de alçar voo, o asno toca lira, os bois dançam”
(UMBERTO ECO, “O Nome da Rosa”, página 25).
8. No
Espumoso, P. é processado porque beijou C. que não gritou por socorro porque o
beijo selou sua boca. Que todas as maldições recaiam sobre a Sociedade que
condenar um homem por beijar uma mulher que não reage porque o próprio beijo
não o permite.
9. Pois
como pode o beijo não consentido calar uma boca, por mais abrangente que seja?
Pois como pode alguém ser reduzido à passividade por um beijo não consentido?
Não me é dado entender dos mistérios dos beijos furtivos,
queridos-e-não-queridos, mais queridos-do-que-não, roubados-ofertados nos ermos
do Espumoso tal assim como em todas as esquinas do mundo.
10. Expressão
lídima do amor, dele também se valeu Judas para trair o Nazareno. Mas não é
nenhum destes o caso dos autos. O beijo aqui foi mais impulsivo, mais rápido,
menos cultivado e menos preparado. Foi rasteiro como um pé-de-vento que ergue
os vestidos das mulheres distraídas.
11. Aliás,
sua própria existência é lamentavelmente discutível. Nega-o P., que dele
deveria se vangloriar; confirma-o C. que, pudoradamente, deveria negá-lo. Não o
ditam assim as convenções sociais?
12. A
testemunha-intruso J. A. P. O. não foi encontrada, pelo que a prova restou
irremediavelmente comprometida. Ainda bem! Qual a glória de um juiz em condenar
um homem por ter beijado uma mulher, nos termos deste processo? Por este pecado
certamente não serei julgado pelo Supremo Sentenciador.
13. Julgo,
pois, improcedente a denúncia de fls. 2/3, para absolver P. J. S. P. da
imputação que lhe é feita, com base no artigo 386, inciso VI, do Código de
Processo Penal.
14. Publique-se,
registre-se e intime-se.
Espumoso, 04 de outubro de 1.984.
ILTON CARLOS DELLANDRÉA
Juiz de Direito
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