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No tempo da infância de minha filha, quando ela comemorava aniversário,
caprichávamos nos docinhos. Havia dois tipos opostos, entre muitos
outros que se fazia, que eram chamados de branquinhos
e negrinhos.
Os branquinhos eram à base de
leite condensado com coco, revestido de coco ralado; os negrinhos eram à base de chocolate e enfeitados com chocolate
granulado. Hoje em dia são chamados de brigadeiros.
Por quê?
Porque é politicamente incorreto chamar docinhos escuros de negrinho.
Você não percebe uma conotação racista no substantivo? Eu também não! E é
difícil arrancar uma conotação deste tipo de um substantivo. Os adjetivos é que
são apropriados, mas...
Nos aniversários infantis daquele tempo nenhuma malícia havia
nas crianças esbaforidas: mãe, quero um
negrinho! ou mãe, quero um
branquinho! Eram as expressões mais ouvidas nos aniversários (naquele tempo
as crianças eram educadas e ainda pediam docinhos). E os negrinhos, por serem de
chocolates, eram os que mais agradavam as crianças.
Há muitas outras coisas hoje indicadoras de situações que mentes
poluídas consideram politicamente incorretas. Já ouvi críticas acerbas à expressão mercado
negro, quando se fala do dólar americano – quando se falava, porque hoje o
dólar está tão desprestigiado que só é negociado no mercado branco (de novo,
sem qualquer conotação racista).
Também é incorreto dizer que a coisa está
preta, por mais preta que esteja e está. Ambas as expressões guardariam,
ainda que reconditamente, alguma alusão pejorativa à raça negra.
Não acho. Não acho que essas expressões, e outras parecidas, tenham
emergido em nossa língua como decorrência de situações que envolveram ou
envolvam a raça negra. Acho que elas definem apenas situações opostas à, por
exemplo, claridade.
Se a coisa está preta quer dizer que não está clara. A expressão mercado negro significa um comércio
feito às escondidas, não às claras, e até que me provem o contrário não creio
que seja oriunda de antigos mercados de escravos onde os negros – mas não só
eles – eram vendidos como tal. O mundo teve, em muitas eras, escravos brancos.
Os índios também foram escravizados no Brasil, embora sua submissão não tenha
sido bem sucedida.
Estamos nos perdendo nos detalhes, enquanto o principal fica resguardado
e livre de enfrentamento. Tempos obscuros, estes, o de considerar o uso
inocente da palavra negrinhos como pejorativo. Ainda que esses negrinhos sejam
uma expressão infantil e representativa da mais achocolatada doçura.
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Publicado originalmente em 02/05/2008,
no blog Jus Sperniandi, então no Uol.
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