Gosto muito de filmes baseados em peças teatrais pela concisão e
precisão dos diálogos. O autor teatral tem que ter um enorme poder de síntese
porque a peça, que deve durar no máximo duas horas, enfoca, às vezes, uma vida
inteira.
Nisso o filme Quem tem medo de Virginia Woolf?, dirigido por
Mike Nichols e cinco vezes oscarizado, é emblemático.
Os diálogos são ricos e insólitos. O enredo é um jogo psicológico
impiedoso entre o casal mais velho [Richard Burton (George) e Elisabeth Taylor
(Martha)] e o mais novo [George Segal (Nick) e Sandy Dennis (Honey)], todos com
atuações excepcionais. Mas depois de algum tempo não se sabe quem é gato e quem
é rato porque os ataques se entrecruzam e mudam eficazmente de alvo.
Tudo acontece numa única madrugada, após uma noitada festiva na casa
do Diretor da Faculdade, pai de Martha, em que George e Nick são professores –
este recém-chegado.
O clima é de uma tensão degradante e de um sofrimento extremo. A falta
de piedade é a característica principal de George, que tenta por todas as
formas desqualificar o novel professor Nick, porque vê nele um provável
sucessor e, além disto, rival na noitada, pois sua mulher não tem escrúpulos de
seduzi-lo – e ele sabe disto. Ao mesmo tempo em que humilha a mulher dele, Honey,
projetando-lhe de forma cruel as fraquezas de sua própria mulher, em quem
também desfere ferinas e certeiras flechas de desamor.
É surrealista em certos aspectos: há cenas de tensão que se
transformam em comédia forçada, de riso imposto para se evitar o choro e outras
em sentido inverso. Mas sempre as farpas trocadas atingem o ponto fraco de
alguém, ainda que a figura escrachada de Martha pareça, inicialmente, imune às
investidas do marido.
O drama revela no casal mais velho uma capacidade superior e adquirida
de ofender e espezinhar com precisão. Afeitos a brigas e desentendimentos,
trocam desaforos e insultos, que às vezes parecem propositais e com o fim
essencial de impressionar e sugestionar o casal jovem.
O mistério do filho anunciado que não existe e que vai chegar, mas
quem chega é um hipotético telegrama anunciando sua morte, e a reação dos pais,
demonstra o cultivo de uma cara fantasia, no final desmascarada num jogo que
chega às raias da mais pura desesperança. Mais um resquício de uma cumplicidade
doentia foi quebrado.
Amanhece, o casal mais novo vai embora, e vem a reconciliação sem
conciliação de George e Martha e a sensação de que a vida foi vazia, é vazia e
vai continuar vazia, ao contrário dos diálogos que são plenos de desesperança,
de mágoas e ideais esmagados, reais ou imaginários, vividos ou criados por
mentes insanas. Tudo leva à conclusão de
que são todos perdedores.
O título é apenas referencial, embora haja quem diga que a peça, de
Edward Albee (um sucesso da Broadway), foi inspirada em problemas existenciais
semelhantes aos enfocados pela escritora inglesa Virginia Woolf. É uma espécie
de trocadilho com o mote da história infantil do Lobo Mau e os Três
Porquinhos e o nome da escritora. Os personagens, em várias cenas,
cantam histericamente, “quem tem medo de Virginia Woolf?”, recordando
uma brincadeira da festa anterior. Transportado para a nossa realidade
superficial seria algo como “quem tem medo do Leão Lobo?“ (perdão,
Virginia).
O filme é em preto e branco mas se fosse colorido não conseguiria
exprimir toda sua dramaticidade. O clima de desesperança que o perpassa de
início ao fim, com uma música triste e sentida e perfeitamente adequada, não
admite cores. Afinal, sonhamos – e temos pesadelos – em preto e branco.
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