terça-feira, 12 de outubro de 2021

FAZ BEM AO CORAÇÃO

Dizer palavrões é uma arte. Nem todos conseguem manter a dignidade quando os pronunciam. Muitos, incentivados pelos que acham graça, sentem-se autorizados a usá-los mais e mais e se acreditam comediantes. Isto ocorre muito no Brasil. Comediantes sem graça mas bocas sujas.

A dona Edite sabia empregar palavrões e o fazia com a mais absoluta devoção. Se no ambiente grave e solene de uma igreja ela, no Credo, rezasse, por exemplo, “padeceu sob o filho-da-puta do Pôncio Pilatos” ninguém consideraria anormal. Aquele que sabe dizer palavrão deve ter a capacidade de incluí-lo até numa oração...

Certa vez eu a visitava e ela me pediu para comprar uma garrafa de cachaça na bodega da esquina. Foi à dispensa buscar uma garrafa vazia – naquele tempo o vasilhame era trocado na compra, para baratear o custo – e do interior da mesma, entre o ruído de garrafas batendo, disse:

— Preciso arrumar uma garrafa boa, sem lasca na boca, porque senão aquele filho-da-puta do bodegueiro não aceita.

A vó Maria, mãe do D., da M., da Z. e de mais uns três filhos, era olímpica. Certa vez, na casa dos sessenta, sofreu um desmaio. A Z. logo a levou ao médico, com receio de que talvez fosse um AVC ou algo do gênero. No consultório, relatada a ocorrência, o médico pediu à Z. que fizesse algumas perguntas à mãe, sobre fatos ou situações, e lhe informasse se houvesse incongruências.

— Mãe, tu sabes quem eu sou?

— Claro que sei. Tu és a Z., minha filha.

— Tu tens outros filhos?

— Tenho cinco ao todo – e declinou o nome de um por um.

— Tu és casada?

— Não, eu sou viúva.

— Mas tu eras casada com quem?

— Com o caralho.

Z. olhou para o médico e disse:

— Está tudo bem, doutor, ela está normal.


 

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