quarta-feira, 15 de janeiro de 2020

A GARANTIA É DO OUTRO


Você está viajando, para num restaurante e ao retornar flagra um ladrão arrombando o carro e furtando seu notebook. Com a ajuda de populares consegue detê-lo, chama a polícia e vai à Delegacia. Umas três horas depois, declarações prestadas, você vai sair mas entra na sala um senhor bem vestido e pergunta:
– O senhor teve o notebook furtado e prendeu o suspeito, não é?
– Sim, outras pessoas me ajudaram. Por quê?
– Para sua segurança esta conversa está sendo gravada. Precisamos verificar se está tudo correto: se o senhor tem nota fiscal do aparelho ou ele foi comprado no Paraguai; se o suspeito arrombou a porta do veículo ou o senhor a tinha esquecido aberta; se o carro estava bem estacionado, se o notebook está funcionando ou tem algum defeito, se a bateria está boa, o estado do hd, etc...
– Mas o delegado conferiu, está tudo certo. Tenho nota fiscal mas está em casa pois não costumo carregar as notas dos meus pertences, o note funciona bem e a bateria está boa. Não estou reclamando de nada e preciso seguir viagem.
– É, mas lei recentemente aprovada nos obriga a esse exame. Não é o senhor que decide se está tudo certo. É também para a sua segurança e tranquilidade que somos obrigados a periciar o aparelho, testá-lo e avaliá-lo por avaliador juramentado. O valor do bem pode influenciar na pena que talvez seja aplicada ao réu, se ele for condenado. O senhor não gostaria de ser acusado de ter mentido, gostaria?
– Claro que não! Mas isto é um absurdo...
– O senhor pode considerar assim, mas é a lei e a lei tem que ser cumprida. Além de tudo, se eu não fizer isto, posso ser processado por abuso de autoridade, conforme outra nova lei também em vigor. Isto é uma espécie de garantia estendida patrocinada pelo Estado.
– Mas eu dispenso essa garantia, está tudo normal e não posso ficar esperando esse procedimento todo.
– O senhor entendeu mal, essa garantia não é para o senhor, é para o preso, para salvaguardar os direitos fundamentais dele. Temos que assegurar que ele tenha um processo justo.
O delegado, percebendo que o homem bem vestido estava ficando impaciente, chama você de lado e aconselha:
– Olha, meu senhor, eu sei que está tudo certinho, tudo correto, mas é bom o senhor escutar o que o homem diz. A lei mudou mesmo. E ele é o Juiz de Garantia aqui da região.
Mutatis mutandis, como adoram dizer os juristas – (significa: com as devidas adequações) –, é mais ou menos assim que vai funcionar o juiz de garantias no processo penal no Brasil. É a garantia estendida da impunidade. E é de graça!

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