terça-feira, 24 de novembro de 2009

A MOROSIDADE DA JUSTIÇA

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UMA VISÃO DE 1991
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Este artigo foi publicado no jornal Zero Hora de 19/11/1991 e refletia minha posição diante de constantes críticas na imprensa, a maioria de autoridades ligadas à área judiciária, das quais discordava por considerá-las essencialmente superficiais e simplistas. Mantenho, na linha mestra, o mesmo pensamento, embora a "datação" tenha prejudicado, um pouco, sua atualidade:
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"Em edições recentes, a imprensa local estampou matérias sobre a prestação jurisdicional no Estado. De um modo geral, responsabiliza-se o Direito e a Justiça de atuarem contra os pobres, uma vez que apenas são punidos os denominados “ladrões de galinha”, os negros e miseráveis de escassa instrução e beirando à oligofrenia. Aproveita-se o “gancho” para atribuir à morosidade da Justiça a causa da criminalidade.

As afirmações, mais do que resultado de um processo científico de investigação e pesquisa, emergem da comodidade que os críticos costumam vestir quando tratam de assuntos da Justiça, na exata presciência que têm de que o Judiciário dificilmente se manifesta a respeito, que os Juízes não respondem às críticas que lhe são feitas e que, em última análise, não lhes será necessário prestar contas, pois é livre a expressão de idéias e pensamentos.

Cabem algumas considerações. Não se pune o pobre porque é pobre, mas por ser culpado. A condenação é resultado da análise da prova conseguida em Juízo. A sentença é o ato mais elevado da prestação da Justiça, sujeita a exame nos tribunais hierarquicamente superiores, e espelha sempre o convencimento do Juiz: caso a caso, fato a fato e réu a réu.

O raio de ação de uma sentença é limitado. Circunscreve-se ao processo e réus atingidos em sua prolação. Por isto a acusação genérica que se faz, de que apenas os fracos e oprimidos são condenados, peca pela base. Uma sentença não é uma regra de obediência geral e não incide sobre grupos sociais, mas sobre pessoas individualmente consideradas.

Não consta que os advogados criminalistas do Estado estejam passando dificuldades maiores do que as que passam a maioria da população brasileira, nem que estejam abandonando a profissão por falta de serviço. Sinal de que os “ricos“ também são processados. Não serão condenados por serem ricos, mas se forem culpados.

Diz-se que os “ricos têm acesso a melhores advogados e que já na fase do inquérito podem contratá-los, beneficiando-se dos recursos e das provas”. Não vejo como a Justiça possa tomar abastados os miseráveis, para que tenham acesso às mesmas condições. Os advogados não são contratados pelos pobres porque estes não têm dinheiro para pagá-los e isto, por mais cruel que possa parecer a assertiva, é uma questão financeira, e não de Direito ou de Justiça. Ou melhor, é até uma questão de Justiça, mas de Justiça Social, que não encontra solução nas barras dos Tribunais e sim numa política econômico-financeira justa e distributiva.

Pecado maior é atribuir-se a causa da criminalidade à morosidade da Justiça. Não que esta seja um exemplo de rapidez, mas não receio afirmar que o Judiciário faz o máximo que pode com o instrumental que lhe é posto à disposição. Seria bom se a Corregedoria-Geral da Justiça do Estado divulgasse os boletins estatísticos sobre fluxo dos processos, principalmente na área criminal, objeto maior desta manifestação, para que alguns mitos em torno do assunto possam ser desfeitos.

Recentemente o senhor Geraldo Gama, secretário da Justiça e Cidadania (a Secretaria, ao contrário do que o nome sugere, não é vinculada ao Poder Judiciário), fez, pela imprensa, assertiva relevante no sentido de que haveria uma verdadeira explosão carcerária se fossem cumpridos os 22 mil Mandados de Prisão expedidos pela Justiça. Sinal de que esta, mesmo morosa, está alguns passos adiante da evolução do sistema carcerário estadual (a administração da infra-estrutura carcerária também não é atribuição do Poder Judiciário).

As causas verdadeiras da criminalidade residem no desequilíbrio social existente e devem ser buscadas e analisadas através do processo sociológico, e não do processo criminaI. Este, que pode até servir como referencial, é conseqüência e não causa da injustiça social. Por isto, dizer que o crime existe porque a Justiça é morosa serve apenas para desviar a atenção dos fracos e oprimidos. Estes mais uma vez atribuem sua desgraça a fatores alheios e remotos e se esquecem de buscar as causas reais. Os poderosos agradecem”
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Publicado no Jus Sperniandi, do autor, no Uol,
em 17/08/2004.
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